Seguem os filmes lançados comercialmente no cinema, no Brasil, em 2012, que mais me impressionaram, com breves sinopses e os respectivos trailers. É uma lista estritamente pessoal, que tem pouco em comum com a maioria das listas publicadas na grande mídia. Em ordem alfabética, não de preferência.
‘A guerra está declarada‘ de Valérie Donzelli
Baseado na história verdadeira da diretora e atriz Valérie Donselli. Quando Roméo (Jérémie Elkaïm) e Juliette (Donzelli) se conhecem, brincam com a coincidência dos nomes, dizendo estarem fadados a um destino trágico. Os dois se apaixonam, casam e têm um filho, Adam. Mas a ilusão se quebra após uma visita ao pediatra, que diagnostica um raro tumor cerebral no menino. A partir daí, a rotina da família se transforma numa dolorosa e interminável jornada por corredores de hospitais: a doença do filho obriga o jovem casal a confrontar os problemas da vida adulta. Filme que foi ignorado em todas as listas.
‘A separação’ de Asghar Farhadi
Nader e Simin discutem porque ela quer deixar o país, para dar melhores oportunidades para sua filha, Termeh. Nader, no entanto, quer continuar no Irã, para cuidar de seu pai doente. Chegam à conclusão de que devem se separar, mesmo ainda se amando. Sem ter quem cuide da casa e do pai, Nader contrata uma empregada, que está grávida e aceita o trabalho sem consultar o marido. Não é exatamente um filme sobre a separação, mas sobre valores em choque, sobre diferentes relações com o mundo, sobre os laços entre a religião e a conduta pessoal. Mais um exemplo do vigor do cinema iraniano.
Corações sujos de Vicente Amorim
O filme de Vicente Amorim vai muito além da competente adaptação do livro-reportagem de Fernando Morais: ele transforma a história, por si só impressionante, dos conflitos na colônia japonesa em São Paulo no imediato pós-Segunda Guerra em pano de fundo para uma reflexão sobre valores em conflito e sobre temas permanentes como a honra e a justiça, o orgulho e a culpa. Funciona também como entretenimento de qualidade, graças em grande parte ao roteiro eficiente e fiel às convenções do cinema clássico americano, que imprime à história uma tensão crescente, em sua escalada de violência.
Deus da carnificina de Roman Polanski
Adaptação da peça de Yasmina Reza marcada pelo humor peculiar e ligeiramente sádico de Roman Polanski. Em Nova York, dois casais se reúnem em um apartamento para discutir que atitude tomar em relação à um episódio de agressão envolvendo seus filhos. Eles tentam resolver o assunto dentro das normas da educação e civilidade, mas, aos poucos, perdem o controle diante da situação. As máscaras sociais caem, e aflora o que cada um tem de pior: o egoísmo, a hipocrisia, a falsidade, a mentira. Uma crônica cruel e claustrofóbica de Polanski sobre as frágeis bases do convívio social e das relações familiares na sociedade contemporânea.
Drive de Nicolas Winding Refn
Um filme bastante estranho, que começa de um jeito e no meio do caminho toma um rumo completamente inesperado. Ryan Gosling interpreta um piloto profissional que trabalha em cenas de perseguição de carros em Hollywood e faz bico como motorista de uma quadrilha mafiosa, aproveitando sua habilidade no volante para fugir de assaltos. Vivendo em um mundo solitário ele conhece Irene, separada de um ex-presidiário endividado. Apaixonado e disposto a ajudá-la, ele se envolve numa situação perigosa. Cenas de extrema violência combinadas com clichês do cinema americano conferem uma atmosfera peculiar ao longa.
Fausto de Alexander Sokurov
Adaptação brilhante e perturbadora do clássico de Goethe, também ausente de todas as listas. O filme encerra uma tetralogia do cineasta russo Alexander Sokurov sobre o poder, ou melhor, sobre a busca ilusória pelo poder, que é um traço fundamental da natureza humana desde que o mundo é mundo. Com suas imagens distorcidas e com oscilações de foco, seu ritmo deliberadamente lento, seus longos planos-sequência, sua fotografia cinzenta-amarelada e esmaecida (espelhando um mundo sem Deus e sem esperança?) e seu roteiro de estrutura pouco ortodoxa, ‘Fausto’ passa bem longe das convenções narrativas do cinema ocidental.
‘L’Apollonide – Os amores da casa de tolerância‘ de Bertrand Bonello
Paris, final do século 19, início do século 20: nesse momento de transição entre duas épocas, o bordel L’Apollonide vive seus últimos dias. Em um mundo à parte, alguns homens se apaixonam e outros se tornam viciosamente dependentes, enquanto as garotas dividem seus segredos, suas rivalidades, seus medos e suas dores. Uma prostituta é atacada por um cliente sádico que lhe deixa um grande corte no rosto, como um sorriso permanente e trágico. Mais preocupado com a atmosfera, onírica e inquietante, que com o enredo propriamente dito, o diretor Bertrand Bonello cria uma narrativa heterodoxa, que funde música pop e Edgar Allan Poe, erotismo e suspense..
Paraísos artificiais de Marcos Prado
Com uma estética que lembra ‘Zabriskie Point’, de Antonioni, Marcos Prado aborda um tema delicado – a onda das raves e das drogas sintéticas – de maneira honesta. É verdade que todos os personagens são de alguma maneira punidos – o que levou parte do público a considerar o filme moralista, enquanto outra parte, paradoxalmente, o julgou ousado demais, talvez pelas cenas de nudez e sexo.. Não concordo com nenhuma das duas visões. Acho tão careta e autoritário julgar o filme a partir de uma posição fechada pró-drogas quanto a partir de uma posição fechada anti-drogas. E a Nathalia Dill… Valha-me Deus!
Shame de Steve McQueen
Sudoeste de Eduardo Nunes
Filmado em Araruama, numa vila de pescadores, o longa de estreia de Eduardo Nunes não é para todos os gostos. Com fotografia em preto e branco e um ritmo lento, ele acompanha a trajetória de uma menina que nasce, cresce, envelhece e morre no mesmo dia, com longos planos-sequência e diálogos reduzidos ao mínimo. Nunes rejeita as convenções narrativas e produz uma fábula sobre a condição feminina. Destaque para atuação de Simone Spoladore.
Um método perigoso de David Cronenberg
Considero David Cronenberg um cineasta superestimado e bastante irregular, mas ele acertou em cheio nesta adaptação de um episódio seminal da história da psicanálise: o conflito entre Sigmund Freud e Carl Gustav Jung que teve como pivô a paciente Sabrina Spielrein, brilhantemente interpretada por Keira Knightley. Com roteiro inspirado numa peça teatral de Christopher Hampton, o filme é econômico nos maneirismos e sóbrio na atmosfera, deixando os personagens falarem por si próprios – como convém em se tratando de psicanálise.
16 de janeiro de 2013
Luciano Trigo
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