D. João: 'As coisas não acontecem de supetão na Igreja'
CIDADE DO VATICANO - Na Europa, ficaram apenas os monumentos históricos e, hoje, a base da Igreja se desloca para a América Latina, África e Ásia. A declaração é do cardeal brasileiro d. João Braz de Aviz, considerado pela imprensa italiana como um dos nomes fortes para a sucessão de Bento XVI.
Veja
também:
Papa vai se despedir dos fiéis no dia 27 de fevereiro, diz Vaticano
África e América Latina têm nomes fortes na disputa a papa
Saiba como será feita a escolha do próximo papa pelos cardeais
GIAMPIERO SPOSITO/REUTERS-17/2/2012
D.João diz que escândalo do mordomo criou
‘vulnerabilidades’ para Bento XVI
Em entrevista ao Estado, o brasileiro com o cargo
mais alto na estrutura de poder do Vaticano deixou claro que uma mudança está
ocorrendo em termos geográficos na Igreja.
Mas alerta que isso não significa que
essa seja necessariamente a hora de ver o primeiro papa de um país em
desenvolvimento.
"As coisas não ocorrem de supetão na Igreja", admite o atual
prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de
Vida Apostólica do Vaticano.
D. João, de 65 anos, arcebispo emérito de Brasília e ligado a uma
Teologia da Libertação sem excessos, também reconheceu a existência de "tensão"
entre diferentes personalidades dentro do Vaticano e admite que nem sempre a
gestão da Igreja é "tão serena".
Leia a seguir os principais trechos da entrevista concedida na
terça-feira, 12, no Vaticano.
O sr. estava presente quando Bento XVI anunciou sua renúncia.
Como foi?
Foi uma reunião regular e os outros temas foram tratados normalmente.
De repente, ele começou a falar e eu, sinceramente, achei que não tinha
entendido o que ele havia dito. Logo percebi que, sim, era verdade e que ele
estava renunciando.
Foi uma grande surpresa. Ninguém nunca imaginava que isso
ocorreria. Como é um fato raríssimo, sentimos o peso da coisa, também pela
figura que ele representa.
Nos últimos anos, ele ganhou a simpatia até mesmo da intelectualidade
europeia. Com seu gesto, mostrou uma grande fidelidade à Igreja e deixou claro
que não quer atrapalhar.
Ele ainda certamente considerou que João Paulo II já
havia vivido a exposição pública de sua deterioração de saúde e que não queria
passar pela mesma coisa.
O que o sr. acha que esse papa deixará como
legado?
Ele chamou a Igreja à coerência, entrou em campos delicados e isso
fez um bem enorme. Ele chamou os problemas por seu nome. Claro, houve um preço a
ser pago por isso. Mas era um preço que valia, pois era pela verdade.
Qual é a Igreja que o sr. acredita que será necessária no
século 21?
Não é uma questão de busca por influência política. A busca é mesmo
por um testemunho da mensagem. Não se pode ter duas medidas, uma atitude dentro
da Igreja e outra fora que não condiz. O mundo está atravessando uma grande
mudança que não é comparável a nada que já vivemos. O momento é extremamente
exigente. Isso exigirá da Igreja uma grande capacidade de escuta. A questão que
se coloca é se podemos ainda defender verdades eternas, que é justamente a
proteção do homem e da mulher.
O sr. acredita que chegou a hora de ter um papa de um país em
desenvolvimento?
Há um deslocamento da presença da Igreja no mundo, como resposta às
populações: na África e na América Latina, onde há um sentido de religiosidade
forte, e na Ásia, onde a Igreja está se desabrochando. São fenômenos reais e que
a Igreja considera como importantes. Já a Europa vive o momento em que ficaram
os monumentos históricos, mas não há vocação. Há uma grande diminuição de
pessoas (fiéis), algo realmente preocupante.
Mas isso significa que o próximo conclave poderá eleger um
latino-americano?
Essa possibilidade existe sim. Mas as coisas não acontecem de supetão
aqui. A Igreja tem um zelo muito grande. Dentro do conclave, é a qualidade
pessoal de cada um que pesa. Às vezes, pode-se chegar à conclusão de que ainda
não é o momento.
Vaticanistas e a imprensa especializada apontam o nome do sr.
como um dos ‘papáveis’. Entendo que o sr. não possa se apresentar como
candidato, mas como se sente ao ter o nome citado?
Vou viver meu primeiro conclave. Nunca poderia imaginar que chegaria
a isso. Na verdade, não é que eu não possa dizer que sou candidato. Sou um dos
125 candidatos.
Uma das marcas dos últimos anos no Vaticano seria a disputa
interna entre diferentes personalidades. Essas tensões de fato existem dentro da
Santa Sé?
Há uma fidelidade grande entre os cardeais. Mas é lógico que existem
tensões. Há dificuldades e existem diferentes estilos, personalidades, formas de
viver as coisas. Uns querem o diálogo, outros destacam a autoridade. Não é tão
serena a coisa. Mas não acredito que exista maldade.
O escândalo do roubo dos documentos internos do papa por seu
mordomo pesou na decisão de Bento XVI de renunciar?
Ele sofreu muito com isso. Essa história criou vulnerabilidades. Para
uma pessoa de 85 anos, é natural que ele esteja preocupado com o fato de uma
deterioração de sua situação.
13 de feveeiro de 2013
Jamil Chade e Filipe Domingues, de O Estado de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário