"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FIÉIS REAGEM COM INDIFERENÇA E DESCONFIANÇA À ABDICAÇÃO DO PAPA

Nas ruas de Roma, pessoas especulam supostas ‘razões ocultas’ para a decisão de Bento XV


Vista da Basílica de São Pedro, onde Bento XVI deve celebrar na Quarta-Feira de Cinzas a missa que marca o início da Quaresma
Foto: FILIPPO MONTEFORTE / AFP
Vista da Basílica de São Pedro, onde Bento XVI deve celebrar na Quarta-Feira de Cinzas a missa que marca o início da QuaresmaFILIPPO MONTEFORTE / AFP
 
ROMA - Um misto de curiosidade, perplexidade e indiferença tomou conta de Roma no dia seguinte do anúncio inesperado da renúncia do Papa Bento XVI. Na quarta-feira, o homem tímido e profundamente erudito que assumiu o comando da Igreja Católica em 2005 à sombra da perda de um dos Papas mais populares da História do Vaticano — João Paulo II, vítima do mal de Parkinson — vai celebrar o que será a última missa com os cardeais.
E no dia 27 se despedirá dos fiéis na Praça de São Pedro, no que será provavelmente seu último ato: no dia seguinte, às 20h, ele se recolherá carregando os segredos do papado, e voltará a ser o que era, um religioso chamado Joseph Ratzinger.

 
Nas ruas da capital italiana, longe da comoção que a morte de João Paulo II provocou, a notícia da partida de Bento XVI alimentou a desconfiança de alguns fiéis. Como o ex-dono de antiquário Vaklter Vattani, 65 anos, frequentador de igreja “quando precisa”.
 
— Aqui em Roma, temos um velho ditado popular: ‘morto um Papa, se faz outro’. Este não morreu, mas me parece estranho que um Papa ou um alemão renuncie. Para mim, a verdadeira razão não é sua idade avançada ou saúde, como anunciaram. Há algo por trás. A razão é política — disse ele.
 
No Vaticano, enquanto se prepara às pressas e em segredo a convocação do conclave que escolherá o sucessor, o porta-voz da Santa Sé, padre Federico Lombardi, esforçava-se para transmitir um ar de normalidade.
Depois de ser bombardeado durante mais de uma hora por perguntas de um batalhão de jornalistas do mundo inteiro que desembarcou de repente na sede da Igreja, Lombardi, ao final, pediu aos repórteres que esperassem, pois ele queria anunciar “uma outra notícia”.
Pausa. Suspense. Pegou um papel e leu, com toda pompa, um comunicado oficial da Santa Sé:
 
— Anunciamos que está novamente ativo o serviço de pagamento e cartão de crédito do Estado e Cidade do Vaticano. Os turistas podem novamente usufruir do serviço de pagamento, que será garantido pela Aduro S.A, uma sociedade suíça, com consolidada experiência no setor no mercado europeu.
 
Mas o que vai fazer o Papa depois da renúncia? Como será chamado? Qual será seu papel ou influência na escolha do sucessor? Os detalhes começaram a ser revelados a conta-gotas ontem.
 
Como, por exemplo, a informação de que o Anel de Pescador que Bento XVI usa — símbolo do poder de um Papa — será destruído provavelmente no dia 28, o dia da renúncia.
O padre Lombardi reconheceu que a situação é “inédita” para o Vaticano, pois, pelo ritual, o anel é destruído quando um Papa morre.
E funciona assim: antes da escolha do sucessor, um cardeal constata a morte e retira do dedo do Papa morto o anel, sinal de que o reinado foi concluído. E agora, com o Papa vivo? Especialistas do Vaticano estão estudando as regras, explicou Lombardi.
 
Mas, se o destino do anel está certo, perguntas fundamentais ficaram sem resposta clara na sede de um Vaticano ainda atordoado com a surpresa causada pela decisão histórica da renúncia. Analistas dizem que Bento XVI, responsável por nomear muitos dos cardeais que vão votar, certamente terá influência na escolha do sucessor. O porta-voz da Santa Sé, porém, depois de revelar um segredo que pegou fiéis na rua de surpresa — o de que o Papa fora operado há 3 meses para trocar a bateria de um marcapasso — garantia ontem que não:
 
— Certamente, o Papa não vai dizer absolutamente nada (sobre o sucessor) e não vai intervir (no conclave que escolherá o sucessor). Eu acho que ele não terá nenhum papel.

Dúvidas sobre a coexistência
 
E como será a coexistência de um Papa vivo com o sucessor — outro fato inédito na História recente do Vaticano? Lombardi insistiu que Joseph Ratzinger não terá nenhum papel oficial.
— O Papa disse em sua declaração que passará o tempo na reza e na reflexão e que não terá nenhuma responsabilidade administrativa ou de governo. Isso está absolutamente claro e é este o sentido de sua renúncia — garantiu.
 
Sobre como dois papas dentro do Vaticano vão coexistir, ele acrescentou:
— Conhecemos bem o Papa Bento XVI, sabemos que é uma pessoa de discrição e um rigor extremos. Não é absolutamente uma pessoa que vai interferir ou causar um mínimo problema para seu sucessor.
 
Em tempos normais, hoje, o Papa teria uma audiência geral com fiéis na Igreja de San Anselmo e, à tarde, presidiria a tradicional missa da Quarta-Feira de Cinzas na Basílica de Santa Sabina, numa das colinas de Roma. Mas, diante da notícia da renúncia, o Vaticano transferiu tudo para a Basílica de São Pedro por prever um repentino afluxo de fiéis, curiosos e jornalistas.
 
— O motivo, naturalmente, é o espaço. E precisávamos também levar em conta que esta será a última grande celebração litúrgica, a última missa do Papa com os cardeais — explicou o porta-voz do Vaticano.
 
A agenda de Bento XVI segue normalmente até a data em que deixará de ser Papa, dia 28. A partir de 1º de março começam, oficialmente, os preparativos para o conclave, que deve ocorrer entre 15 e 20 dias após a renúncia.
 
Segundo Giovanni Maria Vian, diretor do jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, o Papa tomou a decisão da renúncia em março passado, durante uma viagem a México e Cuba. Só isso revela o nível de segredo por trás dos muros da Santa Sé: em meses, essa informação nunca foi vazada. Segundo Maria Vian, quando estourou o escândalo conhecido como VatiLeaks — no qual o mordomo do Papa roubou documentos confidenciais e planejava publicar seu conteúdo —, o Pontífice escreveu a renúncia de próprio punho.
 
— Há muito tempo o Santo Padre tomou a decisão. Seus colaboradores mais próximos sabiam e mantiveram reserva total — disse ela à TV-3.

Twitter para rebater críticas
 
O diretor do jornal afirmou que o Papa regressou “muito contente, mas também muito cansado”. Foi aí, segundo Maria Vian, que ele “entendeu que suas forças estavam diminuindo”.
Para alguns cardeais, ficou claro que não foi só o peso da idade, mas de uma Igreja confrontada por escândalos de pedofilia, roubo de documentos, e cada vez mais propensa aos extremos (fundamentalismo religioso ou secularismo), que pesaram na decisão da renúncia.
 
Descrevendo Bento XVI como uma pessoa “muito nobre, humilde e doce”, o cardeal colombiano Darío Castrillón disse ao jornal colombiano “El Tiempo” que o Papa sofreu ao ter que enfrentar as críticas à Igreja Católica nas redes sociais e nos blogs. Foi aí que resolveu abrir uma conta no Twitter.
 
Os jornais italianos especulavam sobre o sucessor. Uns apostavam que o próximo Papa refletirá a influência do mundo em desenvolvimento, com a escolha, talvez, de um não europeu.
Outros diziam o contrário: que não é a geografia que vai pesar, mas a capacidade do próximo Pontífice de se comunicar no mundo moderno — alusão à timidez do Pontificado de Bento XVI.
Uma coisa parecia consenso: o próximo Papa não vai ter 78 anos, idade do cardeal Joseph Ratzinger, quando assumiu a chefia do Vaticano.

13 de fevereiro de 2013
Deborah Berlinck

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