"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 8 de março de 2013

DEMOCRACIA E REPÚBLICA


          Artigos - Cultura 
Tudo parece indicar que existe uma grave confusão a respeito da diferença substancial entre a democracia e a república. Nessa confusão parecem haver caído os americanos, ante a presente situação que de alguma maneira esfuma o regime que os Founding Fathers iniciaram exitosamente a partir da Constituição de 1787. Tanto assim que recentemente publicou-se um livro a respeito: “O Estado no Terceiro Milênio” de Kart R. Leube, no qual ele trata do tema e se refere e qualifica a democracia,

“A história mostra que no longo prazo a mera idéia da democracia prova ser incompatível com os grande poderosos Estados, muito provavelmente devido a que essas grandes massas só se podem preservar mediante um controle totalitário ou ao menos autoritário”.

Nesse mesmo sentido apareceu um vídeo no qual se explica fidedignamente aos próprios americanos a diferença substancial entre a república e a democracia. Assim, resgata o fato transcendente de que o sistema americano do Rule of Law constitui a expressão genuína da república e não é uma democracia.
A esse respeito, começa por assinalar que a palavra democracia jamais aparece na Constituição americana. A respeito igualmente, vale lembrar que tampouco aparece na Constituição argentina. Foi nesse sentido que Thomas Jefferson declarou: “Um despotismo eletivo não é o governo pelo qual lutamos”.
Essa expressão é de utilidade para analisar a atual situação das democracias latino-americanas.

Continuando com o pensamento que o vídeo em questão traduz, citam no mesmo as palavras de James Madison em “O Federalista” a respeito das democracias. “Tais democracias sempre foram espetáculos de turbulência e conflito; se acharam sempre incompatíveis com a segurança pessoal ou os direitos de propriedade”.
O sistema do Rule of Law se baseia fundamentalmente em que as maiorias não têm o direito de violar os direitos das minorias. E essa proposição se sustenta no princípio fundamental expressado por John Locke que diz: “O direito à busca da própria felicidade é o princípio fundamental da liberdade”.

A confusão persiste e a mesma se manifesta no léxico repleto de julgamentos de valor implícitos, que impedem a compreensão do conceito que supostamente pretendem descrever. Essa primeira confusão léxica se manifesta na suposta divisão da sociedade entre esquerda e direita. Insisto então em que a divisão do pensamento político entre esquerda e direita entranha um juízo de valor.
Assim, a esquerda por estar a favor dos pobres é altruísta, enquanto que se considera a direita de per si a favor dos ricos, e portanto concupiscente e cobiçosa. Nesta dicotomia valorativa se desconhece o direito à busca da felicidade e, portanto, igualmente o direito de propriedade.

A meu ver esse estabelecimento filosófico-político de esquerda e direita não faz mais que confundir as verdadeiras alternativas políticas que a sociedade enfrenta.
O que está em jogo na sociedade é que se respeitem os direitos individuais ou, pelo contrário, que a esquerda baseada na falácia do altruísmo decide não respeitá-los.
Posso dizer então que o socialismo, tanto nos Estados Unidos como na Argentina, é um projeto inconstitucional, pois parte da hipótese de eliminar o direito de propriedade que ambas as constituições garantem.

Mais confusão cria o conceito de extrema-direita, que implica em confundir o liberalismo com o fascismo. Assim se ignora, como bem explicou Friedrich von Hayek em seu “O Caminho da Servidão”, que o nazismo foi derivado do socialismo marxista, ao qual contribuiu definitivamente Werner Sombart, reconhecido marxista.
A meu ver, Lenin contribuiu igualmente quando, em seu ensaio “A Nova Economia Política”, descobriu que os capitalistas não obstante sua suposta maldade eram os únicos que sabiam fazer as coisas e, portanto, tinha que transacionar com eles.
Esse foi o princípio em que se baseou o fascismo de Mussolini. Nesse sistema em que não se respeita o direito de propriedade, os empresários capitalistas não têm outra opção que a de colidir com a ditadura, ou abandonar a empresa.
Ou seja, ditaduras que podem ser democráticas no sentido de que representam as maiorias tais como foram Hitler e Mussolini. Tenhamos em conta por sua vez, o Socialismo do Século XXI, hoje estendido ao Equador.

Recordemos então as palavras de Locke a respeito das quais não há liberdade sem lei, que é um princípio liminar do liberalismo. Porém, é necessário fazer um esclarecimento a respeito e ele está explicado por Hayek na obra citada, na qual diz:

“A distinção entre a lei formal, justiça e as leis substantivas é muito importante. A diferença entre essas duas classes de normas é a mesma que entre estabelecer as regras do trânsito, como um Código de Trânsito, e ordenar o povo para onde ir”.

Entramos então no âmbito da justiça, e aqui surge a grande diferença entre a república e a democracia majoritária. A limitação do poder político é um princípio fundamental do liberalismo, que se sustenta na aceitação da natureza humana. Tal princípio se ignora pelo socialismo na busca de um homem novo, pletórico de generosidade.
Assim Alexis de Tocqueville escreveu a respeito: “O socialismo e a concentração de poder são frutos do mesmo solo”. Aí temos igualmente na Europa onde se supõe reina a democracia. Como disse Lord Acton: “O dogma de que o poder absoluto pode pela hipótese de sua origem popular ser tão legítimo quanto a liberdade constitucional está escurecendo o ambiente”.

Chegamos pois a um conceito fundamental, que determina a divisão dos poderes como limite ao poder político, ante a consciência da imutabilidade da falibilidade da natureza humana. Por isso Locke alertou que os monarcas também são homens, e portanto a liberdade requeria limitar as prerrogativas do rei. Ante esta realidade nos encontramos ante o rol principal que o poder judiciário tem como garantidor dos direitos individuais que a Constituição reconhece.

Essa definição explícita do Rule of law como expressão da república, é exposta por Alexander Hamilton quando diz: “Nenhuma lei contrária à Constituição pode ser válida... Uma constituição é de fato, e deve ser considerada pelos juízes como lei fundamental. Portanto, lhes pertence definir seu significado”.
E essa concepção foi levada à prática pelo Juiz Marshall no caso Marbury vs. Madison que se constituiu no precedente ineludível do Judicial Review (A revisão Judicial). Assim estabeleceu: “Uma lei da legislatura repugnante à constituição é nula... É enfaticamente o âmbito e o dever do departamento de Justiça dizer o que é a lei”. Aí reside o princípio fundamental da liberdade.

A violação de tal princípio em nome da política, como pretende o presidente uruguaio Mujica, constitui o desconhecimento da república em nome do despotismo das maiorias. Por isso, já Adam Smith havia reconhecido: “Quando o poder Judiciário está unido ao Executivo, é escassamente possível que a justiça não seja freqüentemente sacrificada ao que se conhece vulgarmente por política” e continua: “No progresso do despotismo a autoridade do poder Executivo absorve a de todos os outros poderes do Estado”.

Creio que fui bastante explícito na definição dos princípios liberais republicanos que permitiram a liberdade pela primeira vez na história e conseqüentemente se criasse riqueza. Perdão pela multiplicidade de citações, pois afortunadamente não foram minhas idéias as que criaram este mundo. Se assim tivesse sido, estaríamos vivendo na Idade Média.

E para terminar, permitam-me recordar Alberdi: “A política não pode ter visões diferentes das visões da Constituição”.

08 de março de 2013
Armando Ribas  
Tradução: Graça Salgueiro

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