Educado é fingir que o outro não existe
Mauricio Savarese
O que nós latinos achamos de uma frieza sem igual, como não ganhar um bom dia de volta do porteiro do prédio ou ouvir o silêncio em resposta a um comentário bem humorado no ônibus, para os londrinos é uma forma sutil de mostrar respeito pelo espaço alheio.
E isso, descobri em um livro que se pretende de sociologia britânica, tem até nome: polidez negativa. Não vale para os pubs, onde a bebida fala bastante, mas quem papeia com estranhos em espaços públicos pode ser confundido com um doido ou com alguém que acabou de tomar todas.
Milhões de pessoas vêm das cidades ao redor de Londres para trabalhar ou estudar. Muitos pegam trem no mesmo horário todos os dias com um mesmo grupo de pessoas. Nem por isso se falam. Um colega que vem de uma cidadela chamada St Albans passa cerca de três horas todos os dias viajando para Londres. Na etapa da manhã, há uma moça por quem ele ficou abobado há dois anos. Conversaram pela primeira vez há duas semanas, quando o trem quebrou e os passageiros tiveram de andar nos trilhos de volta para a estação de origem.
“Reclamamos dos atrasos”, disse ele. Nem o nome perguntou. Eles continuam se vendo no trem da manhã. E voltaram a não se falar. “É normal. Se você conversa com uma pessoa uma vez, pode ficar na obrigação de falar de novo. Ninguém quer isso. Para falar mal do transporte ok, todo mundo fala mesmo”, ele me conta. E me relembro só interagia com gente daqui antes da faculdade quando o metrô travava.
Shaun Curry / AFP Photo
Uma amiga que já passou uma longa temporada na América do Sul diz que ficava chocada com as olhadas de brasileiros e argentinos. “Aqui olhar diretamente tem só dois sentidos: não gostei de você ou gostei bastante de você. Mas mesmo quando gostam ninguém te olha como vocês fazem lá”, ela diz. “Talvez vocês entendam que ser educado é fazer o outro se sentir querido e nós somos mais preocupados em não ofendermos. São sensibilidades diferentes.” Bingo.
Já vi gente corar no ônibus ao ser pega saltando os olhos para o meu jornal. Já vi uma bêbada bonita baixar a cabeça porque eu e um amigo olhamos com interesse (ela entendeu outra coisa, disse à amiga que não tínhamos direito de olhar só porque ela tinha tomado demais). Enfim, agora aceito que parte do que chamamos de frieza seja outra coisa. No fundo, o meu desconforto com eles deve ser tão grande quanto o deles comigo.
04 de março de 2013
Maurício Savarese é mestrando em Jornalismo Interativo pela City University London. Foi repórter da agência Reuters e do site UOL.
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