Marina Silva, a guia espiritual da “Rede”, aquele não partido que pretende disputar uma não eleição para eleger uma não presidente, sempre desperta em mim a paixão para o debate. Começo comentando uma questão em que ela está, digamos, moralmente certa, mas com palavras erradas. Há um projeto de lei em tramitação que cria dificuldades para a criação de novos partidos, uma vez que a legenda original conservaria o tempo de TV e a verba do fundo partidário. Na raiz dessa proposta, está o PSD, de Gilberto Kassab. A Justiça entendeu que, dada a legislação em vigor, o novo partido tinha direito às duas coisas. O projeto busca evitar a repetição do “efeito PSD”. Curiosamente, o partido do ex-prefeito de São Paulo é agora majoritariamente favorável às restrições… Se o texto fosse aprovado, é claro que seria ruim para o pessoal da Rede. Indagada a respeito, informa a Folha, disse Marina:
“Vemos com preocupação, do ponto de visita da postura democrática. Outros partidos foram criados, e, para eles, não foi colocada essa cláusula de barreira. Estão sendo usados dois pesos e duas medidas conosco”.
Bem, bem, bem…
Estivessem sendo usados dois pesos e duas medidas, estimada líder, estaria tudo certo, tudo no lugar. O que caracteriza a injustiça é, atenção!, o uso “de um peso e duas medidas”, aí, sim. Essa talvez seja a expressão, ou chavão, de sentido mais deturpado da “língua brasileira”. Essas coisas sempre são curiosas porque a pessoa acaba dizendo o exato contrário do que pretende. O Brasil tem partidos demais! Considero esse negócio de “Rede” bem perto do ridículo. A turma da “sustentabilidade” de Marina poderia ser a ala verde do PT, por exemplo. Não há razão nenhuma, exceto o personalismo desta não líder, para que exista um “partido”. De toda sorte, no caso em espécie, a reclamação pode proceder, mas só em parte. O chororô de Marina só faz sentido se o PSD votar a favor da proposta que cria dificuldades para novos partidos. DEM, PSDB e algumas outras legendas, justiça se faça, se opuseram à criação do PSD.
Sigamos com a Guia Genial da Nova Era. Leio na Folha (em vermelho):
Marina criticou ainda a “antecipação” da disputa presidencial. “Acabamos de ter uma disputa para prefeito e já anteciparam a eleição para presidente. A gente tem que ganhar mais tempo discutindo propostas e ideias do que a engenharia eleitoral”, afirmou. Para ela, as atividades da Rede não se incluem na antecipação. “Estamos discutindo programa, não estamos participando dessa antecipação.”
Voltei
Então… É aí que eu enrosco com Marina. Como leitor, mero observador da cena política ou indivíduo que escreve sobre o tema, acho que ela está só tentando me levar no bico. Quer dizer que as movimentações do PT, do PSDB e mesmo do PSB são “antecipação” da disputa, algo pouco virtuoso, que desdoura o processo político e coisa e tal?… E a movimentação dela é o quê? O que Marina está tentando me dizer? Que os outros só pensam no poder, e ela, no sapo-cururu?
Pronto! Neste ponto, alguém se zanga: “Lá está o Reinaldo a fazer caricatura da Marina, tentando ridicularizá-la…”. Não! Ela é que tenta agredir a minha inteligência, com essa mania de querer andar sobre a política como Cristo andava sobre as águas. Marina se comprometa, então, a não ser candidata em 2014, assegurando (e cumprindo) que vai se encarregar apenas de criar a nova não legenda, e aí as coisas mudam um pouco de figura. Mas é evidente que ela não o fará.
E que conversa é essa de “discutir ideias”? Sim, todos temos de discuti-las. Quais são as de Marina? Acho essa abordagem curiosa porque ela faz parecer que, por diferentes das suas, as ideias ou práticas alheias não existem. Podem até ser ruins, erradas, sei lá o quê, mas estão por aí, não é?
Há nesse tipo de formulação uma mal disfarçada visão autoritária da política. Se eu perguntar em qual instância — física mesmo, em que espaço, em que lugar — Marina gostaria de discutir essas “ideias” (as suas e as dos outros), o que ela me responderia? “Ih, isso, hoje em dia, não é mais necessário; a gente debate na rede…” Claro, claro! O sujeito, lá na sua poltrona ou no seu sofá, cisma, por exemplo, que Belo Monte implica um desastre ecológico gigantesco, e eu, do lado de cá, tento provar que não é bem assim… Esse debate virtual pode ter a sua graça como força de mobilização de torcida, não mais do que isso.
Refaço a pergunta: qual é o fórum de debate das “ideias”? Deveríamos criar uma espécie de “conselho de sábios” para pré-selecionar “ideias”, levando depois ao povo só as que estiverem muito bem debatidas?
Marina não precisa explicar muita coisa porque muito pouco lhe é perguntado. Até porque suas respostas para o mundo desde o fim independem das perguntas. Sugiro que prestem atenção a suas entrevistas. A pergunta não faz a menor diferença. Se a gente indagar como ela responderia à demanda por energia no curto prazo, tendo em vista um país que crescesse, sei lá, 4% ao ano durante uma década (isso, nessa área, é curto prazo), obteria a mesma resposta se lhe dirigisse um simples “E aí, Marina?”. Vi, com atraso, a sua entrevista ao Roda Viva. Huuummm…
A cada pergunta, vinha uma espécie download do divino, depois de copidescado pela ecologia holística. Mas reconheço, sim, a força de sua figura. Acho encantador que milhares, milhões até, de pessoas tenham a ousadia de achar que entenderam do que ela está falando.
15 de março de 2013
Por Reinaldo Azevedo - Veja Online
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