Sem consenso ou relevância, propostas de deputados e senadores buscam todos os tipos de alterações na Constituição - e ficam décadas estagnadas
Plenário da Câmara Federal em Brasília (Rodolfo Stuckert/Agência Câmara)
Em vigor desde 1787, a Constituição dos Estados Unidos teve 28 emendas; a brasileira, de 1988, já contabiliza 72
A aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), no último dia 24, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, mostrou o quão longe radicais e réus do PT no mensalão estão dispostos a ir para amordaçar o Poder Judiciário.
Um grupo de deputados, entre eles dois condenados pela Justiça que sequer deveriam estar no Congresso, os petistas João Paulo Cunha (SP) e José Genoino (SP), aproveitou uma reunião vazia da CCJ para fazer avançar uma tentativa de golpe à Constituição e à independência entre os poderes.
A manobra abriu uma crise com o Supremo Tribunal Federal (STF) até que o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), decidiu jogar água na fervura. Sem meias palavras, o peemedebista anunciou que a PEC petista terá o mesmo destino de outras dezenas: ficará esquecida na gaveta do Legislativo.
Assim como a proposta petista, que pretende submeter decisões do Supremo ao Congresso, um grande número de emendas à Constituição apresentadas por deputados e senadores permanece décadas engavetado, seja por falta de amarração política, amparo jurídico ou, como no caso da PEC petista, bom senso e apreço à democracia. Segundo cálculos da direção da Câmara, a fila contabiliza hoje outras 108 emendas à espera de análise por uma comissão especial.
Para chegar à promulgação, a PEC precisa enfrentar um longo rito. Após a aprovação na CCJ, que dá aval justamente à constitucionalidade da proposta, o passo seguinte é a criação de uma comissão especial para discutir detalhadamente as alterações sugeridas. Na Câmara, porém, 93 PECs já aprovadas pela CCJ ainda aguardam a criação das comissões especiais. Outras quinze esperam a indicação de seus integrantes e uma já está instalada, mas não começou a funcionar de fato.
Há situações ainda mais inusitadas em que o parlamentar encerra o mandato ou morre sem ver seu projeto levado adiante. Uma das propostas mais antigas na lista, a obrigatoriedade do serviço civil para isentos do serviço militar, aguarda criação de uma comissão especial desde 1998. O autor é o ex-senador baiano Antônio Carlos Magalhões, morto em 2007. Nesses casos, o texto tem de ser desarquivado para ter continuidade.
Para o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ), faltam critérios para definir quais projetos terão prioridade. O tucano é autor de uma proposta que proíbe a privatização da Petrobras, medida colocada na geladeira há quase dois anos. Para ele, a morosidade é proposital. “O objetivo do meu texto é acabar com essa brincadeira do PT em atribuir ao PSDB a ideia de privatizar a Petrobras. Além disso, o país passa por um momento delicado e seria um período fértil para discutir os rumos da estatal”, justifica o parlamentar. Para acelerar o processo de formação das comissões especiais, Leite sugere que seja formado um colegiado para discutir temas diversos com assuntos correlatos.
Sem relevância – O próprio Nazareno Fonteles (PT-PI), autor da desvairada tentativa de amordaçar o STF, criou outra proposta controversa: quer incluir na Constituição, entre as atribuições do Congresso, "sustar os atos normativos dos outros poderes que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa". O texto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça em abril do ano passado.
Na lista de temas sem consenso, também está uma proposta que torna o voto facultativo - a PEC está parada há mais de dois anos e o autor da medida, o deputado federal Pedro Irujo (PMDB-BA), aposentou-se em 2007.
Mais um tema que dificilmente será levado adiante é o que reserva percentual de cargos e empregos públicos para os residentes em municípios de até vinte mil habitantes, do deputado Efraim Filho (DEM-PB). Na proposta, o parlamentar aponta a concentração de recursos no centro do país e ainda prevê facilidades para os jovens que estão em busca do primeiro emprego, dando-lhes oportunidades “sem a necessidade de migrar para os centros urbanos que já se encontram saturados nos mais diversos âmbitos”.
Um dos fortes candidatos ao prêmio de pior proposta, porém, é Sebastião Bala Rocha (PDT-AP), autor de uma PEC que inclui a internet de alta velocidade entre os direitos fundamentais do cidadão. O deputado Valadares Filho (PSB-SE) quer, por sua vez, que o esporte seja incluído como direito social na Constituição.
O excessivo número de PECs, acompanhado pela irrelevância da maioria, é um sinal claro de duas características do funcionamento do Congresso: a seletividade da vontade política dos donos do poder e o furor legiferante que é parcialmente responsável pelo gigantismo da burocracia brasileira. "A questão é que existem alguns políticos que têm necessidade de demonstrar trabalho. Eles apresentam PECs mesmo sabendo que elas têm chance mínima de aprovação, pois julgam que com isso mostram serviço ao seu eleitor", diz Ricardo Caldas, cientista político e professor da Universidade de Brasília (UnB).
O que Nazareno Fonteles, Sebastião Bala Rocha e Efraim Filho parecem não compreender é que as Propostas de Emenda à Constituição, por alterarem o texto legal mais importante do país, deveriam se restringir a tratar de diretrizes permanentes e relevantes - sem se imiscuir em temas secundários ou transitórios, como a internet de banda larga - e a preservar a harmonia entre os poderes, não o contrário. O efeito prático dos excessos dos legisladores é mensurável: a Constituição dos Estados Unidos, que está em vigor desde 1787, teve 28 emendas até hoje. A brasileira, de 1988, já contabiliza 72.
Por boas ou más razões, a maioria das PECs encostadas deve continuar onde sempre esteve. Nos três últimos biênios da Câmara, foram instaladas 62 comissões especiais para o exame de cada proposta. Na gestão do presidente Arlindo Chinaglia (PT-SP), foram 14. Na de Michel Temer (PMDB-SP), 36. Na de Marco Maia (PT-RS), 12. O ritmo é insuficiente para fazer avançar - ou derrubar de vez - todas as propostas adormecidas. Mas, pelo menos no caso da recente tentativa dos radicais e mensaleiros do PT de impor sua agenda bolivariana, o melhor mesmo talvez seja o esquecimento.
11 de maio de 2013
Marcela Mattos e Gabriel Castro - Veja
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