Internet é uma benção para as comunicações e para a liberdade de expressão. Hoje, com um mínimo de habilidade, qualquer pessoa pode tornar-se jornalista, escritor ou editor e encontrar seus nichos de leitores. Mas há muito lixo na rede. Pior ainda, lixo travestido de erudição. Falo da Wikipedia, a enciclopédia on line feita por qualquer um que se habilite a criar um verbete. Terá muita informação de qualidade, mas também é pródiga em mentiras.
Um amigo, que precisava do esquema de cabeamento de uma tomada DIN (norma alemã), não o encontrou nem no site da DIN. Mas achou exatamente o que lhe era necessário para fazer um cabo na... WikiPedia! Pode ser. Mas eu busquei por informações menos técnicas.
Procurei, por exemplo, por Osho, vigarista hindu, antes chamado Rajneesh Chandra Mohan Jain, e mais conhecido nos anos 70 como Bhagwan Shree Rajneesh. Diz a Wikipedia:
“Rajneesh escreveu vários livros, que até hoje fazem muito sucesso em muitos países, inclusive o Brasil, país em que tem um pequeno mas muito ativo grupo de seguidores, espalhado em muitos dos grandes centros e em algumas comunidades mais afastadas. Muitos desses seguidores exercem algum tipo de atividade terapêutica alternativa, como por exemplo a "Osho Pulsation", Danças Sagradas", "Biodanza, práticas de Shamanismo e a assim chamada "meditação dinâmica" (há quem diga tratar-se de um exercício aeróbico que promove embriaguez por hiperventilação). Seus seguidores ("Sannyasins") o apresentam como um grande contestador e libertador. Seu ensinamento sem dúvida enfatizava bastante a busca de liberdade pessoal e apresentava uma atitude mordaz em relação à tradição e à autoridade estabelecida”.
Tudo muito edificante. O que Wikipedia não diz, é que Osho – ou Rajneesh – se dizia Deus, fez fortuna enganando jovens e provocou um escândalo internacional com suas cerimônias tântricas, em verdade alegres orgias sexuais. Possuía terrenos, hotéis, uma rede de casa de massagens na Europa – isto é, prostituição – e uma frota de 91 Rolls-Royces. Acusado de perversão, realização de lavagem cerebral e sonegação de impostos, foi deportado dos Estados Unidos para a Índia, onde morreu de Aids.
Nos EUA, respondeu por 35 acusações e foi condenado a dez anos de prisão com sursis. Foi expulso também da Grécia, foi rechaçado da Alemanha e da Espanha, só conseguiu entrar na Irlanda porque seu piloto alegou ter um doente a bordo. Sua secretária Sheela Birustiel-Silvermann (Ma Anad Sheela) foi extraditada da Alemanha, onde estava no cárcere em Bühl, e foi condenada pelo tribunal federal de Portland (Oregon), em 86, a quatro anos e meio de prisão, por fraude e envenenamento alimentar. A investigação revelou que centenas de jovens mulheres foram constrangidas a aceitar uma operação de esterilização. Rajneesh não tem biografia, mas folha corrida. Isto, a Wikipedia não diz.
Busquei depois a biografia de Rigoberta Menchú Tum, a guatemalteca que obteve em 1992 o prêmio Nobel da Paz. A Wikipedia é generosa. Diz que Rigoberta se envolveu em atividades sociais reformistas através da Igreja Católica e se tornou proeminente nos movimentos dos direitos das mulheres. Em 79, seu irmão teria sido aprisionado, torturado e morto pelo exército guatemalteco. Em 81, fugiu para o México, onde organizou a resistência contra a opressão na Guatemala e a luta pelos direitos indígenas. Em 1983, contou sua vida a Elisabeth Burgos Debray, mulher de Régis Debray, o delator de Che Guevara na Bolívia.. O livro resultante, publicado em ingles como I, Rigoberta Menchú, é um absorvente documento humano que atraiu considerável atenção internacional.
O que a Wikipedia não conta é que Rigoberta Menchú é um solene embuste. David Stoll, em seu livro Rigoberta Menchú and the Story of All Poor Guatemalans, mostra que a prestigiada militante em pouco ou nada difere de outros vigaristas já galardoados com os prêmios Nobel da Literatura ou da Paz, essas duas láureas jogadas de vez em quando pelos louros nórdicos aos nativos e mestiços do Terceiro Mundo.
Segundo Stoll, a premiada com o Nobel descreve com freqüência "experiências pelas quais nunca passou". Em seu livro, afirma nunca ter freqüentado escola, nem saber ler, escrever ou falar espanhol até a época em que ditou sua autobiografia. Mas sua incultura era postiça: recebeu o equivalente à instrução ginasial em internatos particulares mantidos por freiras católicas. A luta de Menchú e outros indígenas pela terra, contra latifundiários de origem européia, era em verdade uma antiga rixa familiar de seu pai contra parentes próximos. O irmão mais jovem que dizia ter visto morrer de fome nunca existiu. Um outro, que dizia ter visto morrer queimado, não morreu queimado nem ela viu sua morte. Isto a Wikipedia não conta.
Procuro o verbete sobre Madre Teresa de Calcutá. Considerada a missionária do século XX, concretizou o projecto de apoiar e recuperar os desprotegidos na Índia. Através da sua congregação As Missionárias da Caridade, partiu em direção à conquista de um mundo que acabou rendido ao seu apelo de ajudar o mais pobre dos pobres.
Terceira filha de um rico comerciante albanês, Agnes Gonxha Bojaxhiu estudou até aos 12 anos num colégio estatal da actual Croácia. Durante a década de 20, foi solista no coro da igreja da sua aldeia e chegou mesmo a dirigi-lo. Deixou a sua casa aos 18 anos para entrar na Congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto, em Rathfarnham, perto de Dublin, na Irlanda, onde foi acolhida como postulante. Em 1931, partiu para a Índia, para a cidade de Darjeeling, onde fez o noviciado no colégio das Irmãs de Loreto.
No dia 24 de maio de 1931, fez a profissão religiosa e emitiu os votos temporários de pobreza, castidade e obediência tomando o nome de Teresa. De Darjeeling passou para Calcutá, onde exerceu, durante os anos 30 e 40, a docência em Geografia no Colégio bengalês de Sta Mary, também pertencente à congregação de Nossa Senhora do Loreto. Impressionada com os problemas sociais da Índia que se refletiam nas condições de vida das crianças, mulheres e velhos que viviam na rua e em absoluta miséria, fez a profissão perpétua a 24 de Maio de 1937.
Em 1946, decidiu reformular a sua trajetória de vida. Dois anos depois e após muita insistência, o Papa Pio XII permitiu que abandonasse as suas funções enquanto monja, para iniciar uma nova congregação de caridade, cujo objetivo era ensinar as crianças pobres a ler. Desta forma, nasceu a sua Ordem – As Missionárias da Caridade. Como hábito, escolheu o sari. Como princípios, adoptou o abandono de todos os bens materiais. O espólio de cada irmã resumia-se a um prato de esmalte, um jogo de roupa interior, um par de sandálias, um pedaço de sabão, uma almofada e um colchão, um par de lençóis, e um balde metálico com o respectivo número.
No dia 21 de dezembro de 1948, foi-lhe concedida a nacionalidade indiana. A partir de 1950 empenhou-se em auxiliar os doentes com lepra. Em 1965, o Papa Paulo VI colocou sob controlo do papado a sua congregação e deu autorização para a sua expansão a outros países. Centros de apoio a leprosos, velhos, cegos e doentes com VIH surgiram em várias cidades do mundo, bem como escolas, orfanatos e trabalhos de reabilitação com presidiários. Em 1979, ganhou o prêmio Nobel da Paz. Morreu em 1997, com 87 anos e foi beatificada em outubro de 2003.
Isto, e mais um pouco, é o que a Wikipedia diz sobre a Madre Teresa de Calcutá. Supõe-se que em breve será reconhecida pelo Vaticano como santa. O que falta dizer é que Agnes Gonxha Bojaxhiu costumava depositar flores na tumba de seu conterrâneo, Enver Hoxha, um dos mais sanguinários ditadores comunistas do século passado. No Haiti, durante a tirania de Baby Doc, recebeu de suas mãos a "Légion d'honneur" haitiana. Junto à Suprema Corte dos Estados Unidos, pediu clemência para Charles Keating, vigarista condenado a dez anos de prisão por lesar os contribuintes americanos em 252 milhões de dólares. Deste senhor, Madre Teresa recebeu a simpática quantia de 1,25 milhão de dólares e a oferta de um jato privado para suas viagens. Isto a Wikipedia não conta.
Terá muita coisa boa a enciclopédia. Mas quando seus verbetes tratam de ideologia ou religião, revela-se um desastre.
20 de junho de 2013
janer cristaldo
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