Ninguém se atreve a dar um nome à surpresa que representou na noite de segunda-feira (17) ver o Brasil de repente sair à rua, convocado só pela internet e às vezes por simples adolescentes.
O governo está perplexo. Ninguém esperava que essa multidão, formada por pessoas de todas as idades e de todos os grupos sociais, saísse de repente à rua para dizer: "Queremos mudar o Brasil".
Para alguns foi um sonho de democracia, um despertar depois de anos de silêncio para expressar, das maneiras mais criativas, que não estão satisfeitos com a qualidade de vida que o governo lhes oferece, nem com a corrupção, nem com o desperdício de dinheiro público, começando pelos bilhões gastos para preparar a Copa do Mundo de Futebol de 2014.
Para outros, mais que um sonho, o que o Brasil atônito viveu na terça-feira (18) poderia acabar em pesadelo devido aos gestos de violência de alguns grupos extremistas que tentaram destruir a sede do governo do Rio de Janeiro ou invadir o Congresso.
O que estão dizendo, sobretudo os mais jovens, explicou na televisão o historiador Francisco Carlos Teixeira, é que os políticos "já não os representam". Por isso atacaram na terça à noite os símbolos do poder político no Rio e em Brasília.
A presidente da República, Dilma Rousseff, mandou dizer que existe no país o direito à livre manifestação e que é típico dos jovens protestar. O ex-presidente Lula da Silva, ainda uma forte referência no Brasil, também saiu a público para dizer que só "um ser irracional poderia ser contra as manifestações".
Um líder sindical histórico, Lula apelou a que as reivindicações sejam tratadas com "negociações". O que aconteceu na noite de segunda-feira, porém, não facilita essas negociações porque não existem líderes com poder no movimento, nem se trata de uma lista de reivindicações sindicais.
"Queremos um novo Brasil", diziam os cartazes. E as queixas iam desde o preço do transporte às deficiências na educação e na saúde, passando pela corrupção política.
Ninguém sabe como é esse novo Brasil que profetizavam as centenas de milhares de pessoas que invadiram as cidades ontem à noite. Mas para vários analistas políticos ficou claro que se trata de uma "insatisfação e irritação difusa", como disse a jornalista Eliane Cantanhêde, que acrescentou que o momento não era de respostas, "e sim de dúvidas e interrogações". O líder da oposição, Aécio Neves, afirmou que existe hoje uma "insatisfação na rua", e até o ministro Gilberto Carvalho, homem de confiança de Lula, admitiu que esses jovens que saíram à rua "trazem angústia" à sociedade.
A população do Brasil, que nos próximos dias continuará saindo para manifestar seu protesto em 220 cidades, não luta contra uma ditadura nem sequer contra o governo. Quer mais. A grande incógnita é como querem consegui-lo, quem cristalizará esse protesto sem líderes, que ao mesmo tempo afirma que os políticos de plantão "não os representam".
Se existe "angústia difusa" na rua, essa angústia se transferiu na noite de segunda para terça-feira como um estrondo até o palácio presidencial que ocupa Dilma Rousseff, ex-guerrilheira e lutadora contra a ditadura quando tinha a idade dos que hoje tentaram ocupar o Congresso. Sua tarefa não é fácil, mas talvez sua biografia possa ajudá-la a buscar respostas para essa insatisfação de um país que, até terça-feira, estava mudo e de repente, sem que ninguém esperasse, retomou sua voz.
Essa voz foi bordada por muitas notas: alguns choravam de emoção na rua e se abraçavam. Outros se dedicavam ao vandalismo e a manchar aquela festa que, embora difícil de definir, sem dúvida foi celebrada pela imensa maioria no tablado da democracia, de uma democracia mais de todos, mais autêntica, mais participativa, em que cada um, e não alguns poucos, possa ter não só voto, mas também voz.
20 de junho de 2013
Juan Arias
No Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro
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