"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 20 de junho de 2013

GOVERNO LULA/ DILMA ABRIU MÃO DE 22 BILHÕES DESTINADOS À INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTE

Se ficarmos só no gatilho que levou o povo às ruas, há motivo de sobra para a insatisfação: O colapso da mobilidade urbana estressa diariamente as pessoas. Encurralou-se o direito de ir e vir. De 2008 até agora, o governo federal deixou de arrecadar, de quem abastece os carros com gasolina, R$ 22 bilhões. O destino desse dinheiro seria investimento em infraestrutura de transporte.
 
Os motivos são muitos, o desconforto é difuso, mas esta é a hora de pensar em todos os recados da rua. O transporte público é caro, e o serviço prestado pelos ônibus, péssimo. Isso vem de muito tempo. Mas piorou. O governo estimulou de forma exorbitante o uso do carro particular, o que ajudou a entupir as ruas. Abriu mão de recursos que, se bem usados, beneficiariam a todos.
 
Não há um culpado só. É impossível separar a violência da Polícia de São Paulo da escalada das manifestações. As cenas que chocaram o Brasil e o mundo da última quinta-feira foram gasolina em fogo já aceso. O governo de Geraldo Alckmin foi inepto ao lidar com a crise.
 
A crise da mobilidade urbana foi sendo aprofundada aos poucos. No Brasil, o transporte público foi sempre negligenciado, mas o governo federal escolheu um caminho insensato, que apertou o nó que sufoca os transeuntes das cidades brasileiras.
 
Foi eliminada a Cide e reduzido o IPI, para beneficiar o automóvel. Desta forma, foi incentivada a compra do carro particular e subsidiado o seu combustível. Duas das funções da Cide, de acordo com a lei de 2001 que a criou, eram investir em infraestrutura do transporte e atenuar os efeitos da poluição dos combustíveis. O imposto começou a ser reduzido em janeiro de 2008 e foi zerado em meados do ano passado. Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), nesse tempo, o governo deixou de recolher, só com a gasolina, R$ 22 bilhões.
 
Não está nessa conta o que deixou de ser arrecadado com as reduções do IPI que estimularam a compra de carro particular. O subsídio à gasolina, através do congelamento do preço por muito tempo, causou prejuízo à Petrobras, déficit na balança comercial e desorganização da cadeia produtiva do etanol. Com mais carros na rua e investimentos insuficientes na infraestrutura, a mobilidade urbana, que já era ruim, entrou em colapso.
 
A compra do carro foi incentivada para o país crescer e isso não ocorreu. O preço da gasolina foi subsidiado para conter a inflação, e ela subiu. O reajuste do ônibus foi adiado para administrar os preços e aconteceu justamente neste junho em que a inflação está de novo estourando o teto.
 
Outro problema ronda a economia: o dólar. Ele também já começa a afetar os preços. Ontem, a entrevista do presidente do Fed, Ben Bernanke, dando o sinal de que os estímulos à economia serão reduzidos, no futuro, provocou imediata alta da moeda americana, e ela chegou a bater R$ 2,22. Fechou em R$ 2,21. É mais um complicador.
 
A presidente Dilma Rousseff tem estado em reuniões com a presença de seu marqueteiro, João Santana, e feito pronunciamentos com a sua supervisão. Parece mais preocupada com o efeito que a crise das ruas terá em suas chances eleitorais do que em entender e corrigir os erros que levaram à eclosão dos protestos.
 
Governantes de outros partidos e de outros níveis de governos desdizem de tarde o que disseram de manhã. O prefeito Fernando Haddad, ontem de manhã, garantiu que não reduziria a passagem de ônibus para, no fim da tarde, anunciar junto com o governador Geraldo Alckmin o recuo dos reajustes de ônibus e metrô.
No Rio, Cabral não esteve ao lado do prefeito Eduardo Paes. A crise não é apenas econômica, mas a economia tem dado motivos de sobra para a insatisfação.

20 de junho de 2013
Miriam Leitão - O Globo

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