Bem que o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho, invocou os velhos tempos em que os protestos de rua tinham carros de som para guiar as ações dos participantes e lideranças claramente identificadas que as autoridades poderiam chamar para uma conversa.
Nos velhos tempos, aqui e no exterior, tampouco havia marchas organizadas pelo Partido Comunista (PC) ou por centrais sindicais sob o seu mando que não exibissem, além da clássica comissão de frente com os braços entrelaçados, um adestrado aparato de segurança pronto a reprimir, não raro a porretadas, os companheiros de viagem que, por palavras ou atos, se desgarrassem do roteiro político traçado para a ocasião pela autodeclarada vanguarda do proletariado.
Os meganhas do PC também expulsavam do cortejo os militantes expurgados que, ainda assim, se achavam no direito de desfilar em meio à massa.
Os velhos tempos já se foram tarde. E a última coisa a esperar de passeatas “horizontais”, sem estrutura hierárquica preestabelecida, como as que se propagam pelo País – e que outrora a ortodoxia do Partidão rotularia com desdém de “espontaneístas” -, seria uma falange capaz de impor o respeito às cláusulas pétreas do movimento: nada de partidos, nada de violência.
No primeiro caso, o controle tem funcionado. Sumiram por bem, pelo menos em São Paulo, as bandeiras das agremiações ultrarradicais, como PSTU e PCO. Ou sumiram por mal, quando, numa cena sem precedentes, um manifestante na Praça da Sé, cansado de argumentar, arrancou de seu portador – e pisoteou – a rubra bandeira engalanada com a foice e o martelo do Partido Comunista Revolucionário (PCR), que ainda reverencia o camarada Stalin. A multidão encorajou o revolucionário a deixar o local.
Já o caráter pacífico dos protestos não havia como defender. Assim como tinha ocorrido na véspera, no ataque à Assembleia Legislativa do Rio, na terça-feira a exortação “sem violência” foi impotente para impedir a tentativa de invasão e a depredação da entrada da Prefeitura paulistana e a queima de um posto da PM e de uma van da Rede Record, a pouca distância dali. Os arruaceiros berravam “sem moralismo”, e “sem burguesia”.
A ampla maioria civilizada não conseguiria, tampouco, enfrentar os grupos que se puseram a vandalizar ou a saquear as lojas de departamentos das proximidades.
A polícia, que na segunda-feira atirou em quem não devia, porque não fizera nada de errado ou nem sequer participava do protesto, dessa vez só apareceu com três horas de atraso, quando o pior já ocorrera. Se antes faltou policiar os PMs, depois sobrou desorientação – a começar do governador Geraldo Alckmin.
Pelo menos ele não deixou às pressas o Palácio dos Bandeirantes para pedir socorro a alguém presumivelmente mais apto a lidar com a incomum situação destes dias. Foi o que fez, apequenando-se perante aliados, adversários e a opinião pública, a presidente Dilma Rousseff.
Ela, que tanto intimida a sua equipe com seus modos autoritários e a certeza de ser a dona da verdade, tornou a demonstrar que, na hora H, não é ninguém sem dois conselheiros. Um é o marqueteiro-residente do Planalto, João Santana.
O outro, claro, é o seu progenitor político Luiz Inácio Lula da Silva. Foi Santana quem a instou finalmente a se pronunciar, após mais de uma semana em que os jovens, às dezenas de milhares, tomaram as ruas do País.
Na terça-feira, antes de um bate-volta a São Paulo para perguntar ao seu mentor o que fazer agora, ela encaixou elogios à moçada numa fala sobre mineração.
Quem os escreveu é do ramo. Quem os leu, se também fosse, saberia infundir de sentimento pelo menos este enunciado: “A grandeza das manifestações comprova a energia da nossa democracia, a força da voz da rua e o civismo de nossa população”.
Mas, ao vivo, nada consegue derreter a frieza da presidente e a sua robótica entonação. A campanha de 2010 colou nela o depreciativo “poste”, que o próprio Lula viria a repetir para se gabar de sua eleição. (Fez o mesmo quando Fernando Haddad se elegeu em São Paulo.) O pior é que Dilma, depois de 2 anos e meio no Planalto, continua a precisar dele para ligar a luz.
20 de junho de 2013
Editorial do Estadão
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