Para especialistas, a falta de políticas consistentes do governo cria nó nos serviços públicos
Em resposta aos protestos nas ruas contra a má qualidade dos serviços públicos, o governo anunciou um pacote de medidas emergenciais. No entanto, o problema de fundo — que é a falta de políticas consistentes — não foi atacado. Ficou evidente na crise atual a falta de planejamento de longo prazo, que afeta todas as áreas e é um entrave ao crescimento sustentando. Nunca houve tantos recursos para investimentos, mas o abandono do planejamento acabou com os projetos e criou um nó nos serviços públicos.
O Ministério do Planejamento, comandado por Miriam Belchior, é criticado, ironicamente, por deixar de planejar e se tornar apenas gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos gurus da presidente Dilma Rousseff, essa situação agravou-se nos anos 90, quando a pasta abandonou projetos de longo prazo para cuidar do orçamento. A partir daí, tornou-se rotina o anúncio de medidas conjunturais a cada necessidade em vez de mudanças estruturais:
— O governo brasileiro tem tentado criar alguns instrumentos nessa área, mas isso está muito mal articulado, sobretudo na fase de execução.
Reforma tributária esquecida
Na área de transportes, a responsabilidade é dividida com os municípios. Mas em vários setores da administração federal, técnicos reclamam que ações importantes tomadas no passado foram abandonadas. Não se fala mais no Conselho de Desenvolvimento Econômico-Social, fórum criado no governo Lula, que perdeu suas atribuições. O Ministério da Fazenda anuncia medidas pontuais para estimular o crescimento a cada solavanco da crise econômica, enquanto a reforma tributária não acontece.
A antecipação da campanha eleitoral atrapalhou ainda mais o planejamento. No Ministério da Agricultura, por exemplo, há uma alta rotatividade de ministros nos últimos meses. Isso impede a elaboração de políticas de médio e longo prazo, de acordo com um técnico da pasta.
Política industrial sepultada
Já o comércio exterior está à deriva. A política de macrometas do Ministério do Desenvolvimento (Mdic), elaborada na gestão de Luiz Fernando Furlan, está totalmente parada. Os fóruns de competitividade não se reúnem mais e o ministro atual, Fernando Pimentel, embora seja da cota pessoal da presidente Dilma Rousseff, não está conseguindo o aval do Palácio do Planalto para ações importantes da sua área. Um exemplo é a proposta de decreto que aperfeiçoa o uso de medidas antidumping, enviada ao gabinete de Dilma em novembro do ano passado.
— É terrível para a imagem do Brasil esse tipo de coisa. Tenho clientes americanos que estão quase desistindo de investir aqui — revelou um consultor de mercado, que pediu para não ser identificado.
O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, lembra que a crise de 2008 sepultou a política industrial brasileira. Ele lembrou que o assunto ficou bastante tempo parado nos anos 90 e só retornou à pauta em meados dos anos 2000. Um dos exemplos foi o programa Brasil-Maior. No entanto, agora, ele estacionou.
— A realidade mudou e precisamos nos integrar com o importante movimento mundial que é a formação de cadeias globais de valor. Para isso, é preciso planejamento — disse.
O GLOBO procurou o Ministério do Planejamento para comentar as críticas à falta de planejamento de longo prazo no governo. Encaminhou por e-mail um conjunto de perguntas, mas até o fechamento desta edição não teve retorno.
O Mdic negou que a política industrial esteja parada. Citou medidas em resposta à crise, como a desoneração da folha de pagamento; a diminuição dos prazos de devolução de créditos do IPI e PIS/Cofins; a liberação de recursos do BNDES para projetos de inovação; e a redução do IPI sobre máquinas e equipamentos. Já a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) informou que tem projetos nas áreas de agricultura, meio ambiente, desenvolvimento econômico na Amazônia e estímulo da entrada de mão de obra estrangeira no país.
14 de julho de 2013
GABRIELA VALENTE - O Globo
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