"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 3 de agosto de 2013

SALADA DE SOFRIMENTOS


 
A indústria das multas prolifera impunemente desde RS até PA. Além disto, existe a indústria do "Não consta de nossos arquivos", onde diversas entidades nos enviam cobranças de dívidas de mensalidades (já quitadas) há mais de um ano. Solicitam que façamos contato para colocar nossa situação em dia. Quando provamos que estamos em dia, alegam que a culpa foi do banco. Se nossa prova é extraviada, pagamos ou somos processados (aí, os tais arquivos funcionam que é uma beleza).
 
Eu fui vítima deste caso pelo Detran-RJ em janeiro de 2001, quando fui cobrado de uma multa relativa a um carro que já não me pertencia desde 1992! Apesar da nossa legislação exigir que guardemos nossa documentação por 5 anos, temos de entupir nossas gavetas com guias de IPTU, IPVA, taxa de incênd io e similares durante 20 anos. Assim como nossos contra-cheques por 35 anos. E mesmo assim, sofremos para conseguir a aposentadoria.
 
Ainda bem que pude provar que havia vendido o carro me livrei da burrocracia estadual. E não nos facilitam nada. O balcão (sujo, quente e apertado) de reclamação tem dois funcionários para atender centenas de pessoas por semana. O balcão (limpo, fresco e amplo) para convidar novos contribuintes a pagar de novo tem 20 ou 30 pessoas bem humoradas.
 
Quanto aos empresários optarem por máquinas no lugar de seres humanos para suas esteiras de produção, nada contra (apenas poderiam fazer isto de forma progressiva e com avisos antecipados e apoio para permitir que os afetados começassem a buscar novas especialidades).
 
Mas o que combatemos é a insensibilidade destes magnatas em não pressionarem (e ajudarem) os governos (em todas as esferas) no sentido de criar novas oportunidades para estes que vão sendo marginalizados pela evolução tecnológica e estão engordando em velocidade acelerada, o exército de esfomeados e desesperados que repentinamente ficam privados de obter uma remuneração devido à extinção súbita de sua atividade.
 
Num futuro muito próximo, se unirão e explodirão em cima destes próprios ricaços, que não contarão nem com seus "seguranças" para protege-los, pois a maioria deles pertence às famílias de desesperados deste exército que vem aumentado sob o manto da fome e habitam a periferia dos luxuosos condomínios.
 
Lutar por nossos interesses individuais, mesmo bem documentados e com o apoio de um honesto advogado é uma tarefa árdua, que demora anos (emperram o processo para nos desestimular a continuar – aqueles que têm mais de 75 anos já nem entram mais na justiça, pois sabem que o processo deve ser concluído após o enterro).
 
Em paralelo, temos de dar conta de nossa vida diária em busca do sustento da família. Não podemos nos dedicar a coletar dados que nos ajudem na tarefa. Imagine se diante deste quadro, temos ânimo, força e tempo para mover uma ação de interesse geral. Isto deve ser feito por uma entidade de bom nome (que recebe anuidade de seus integrantes), com alto conceito, que possa exercer pressão adequada para dar andamento adequado ao evento.
 
O problema é que grande parte destas entidades já está acomodada em função da existência de elementos que não defendem a missão da mesma com o ardor dos seus fundadores. Na verdade, estão lá infiltrados para "apaziguar" e "sabotar" (agindo lentamente, esquecendo etapas,...).
 
E o trágico (ou cômico) disto tudo é que nós (99%) não dedicamos pelo menos duas horas por semana (junto à comunidade seria mais eficiente) para conhecermos nossos direitos e exercermos nossa cidadania. Mas perdemos horas por dia para assistirmos novelas que destroem valores familiares (e são longas para garantir a lavagem cerebral com sucesso), programas rebolativos sem conteúdo (apenas dentro dos biquínis existe algum) e shows musicais que atualmente aglomeram jovens que destroem seus futuros consumindo drogas.
Após este comportamento, o resultado é previsível. Votamos em diversos pilantras despreparados para exercerem papel em prol da sociedade (deles). Além do mais, esquecemos seus nomes na semana seguinte, não acompanhamos as ações que eles desempenham nas câmaras e aí nascem as leis que nos prejudicam e beneficiam aos que "apoiaram" os incompetentes fracos de caráter.
 
Eventualmente poucos dedicados surgem no meio da lama que envolve as não mais conceituadas casas do povo. Estes abnegados não conseguem reunir forças para defender interesses sociais coletivos. São derrotados pela força de "lobbies" apoiados por poderosos grupos financeiros que enriquecem de forma ilícita (sonegando impostos, roubando no peso, reduzindo a qualidade, reduzindo a segurança – temos recall de freios de carros de todas as marcas).
 
Será que só vamos nos dar conta do perigo que corremos quando estivermos a um mês de cairmos no mesmo abismo que os irmãos haitianos?

03 de agosto de 2013 Haroldo P. Barboza é Professor e Escritor.

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