O Brasil só precisa conseguir um superávit comercial de US$ 4,99 bilhões em cinco meses - média mensal de US$ 998 milhões - para encerrar o ano com o saldo zerado, o pior em 13 anos, mas, ainda assim, muito melhor que o acumulado nos últimos sete meses. Nada mais fácil, se os preços e o volume de vendas de commodities ajudarem, se a indústria se tornar mais competitiva e os ventos forem mais favoráveis no mercado internacional.
O entusiasmo criado pelos últimos números da indústria, com crescimento de 1,9% de maio para junho, combina com essa aposta. Olhados com um pouco mais de atenção, no entanto, os dados justificam alguma cautela: a produção industrial está apenas voltando aos níveis de 2011. Não se deve esquecer o tombo do ano passado. Da mesma forma, convém olhar com mais cuidado as cifras da balança comercial. São mais feias do que podem parecer à primeira vista.
O resultado oficial de janeiro a julho inclui, na coluna da receita, US$ 2,81 bilhões de exportações fictícias de plataformas para extração de petróleo. Foram US$ 380 milhões só no mês passado. Em sete meses, esse tipo de operação ficou no segundo lugar na lista de vendas de manufaturados. Situou-se logo abaixo de automóveis de passageiros (US$ 2,99 bilhões) e logo acima de óleos combustíveis (US$ 2,1 bilhões) e de autopeças (US$ 2,05 bilhões). Só há um problema nessa classificação.
O Brasil de fato produz e exporta veículos, óleos, autopeças e aviões (US$ 1,81 bilhão), mas as plataformas são contabilizadas sem necessidade de embarque e sem a realização efetiva de uma operação comercial. Sua "exportação" é apenas uma formalidade para reduzir a tributação sobre equipamentos do setor petrolífero. A operação é legal, mas sua inclusão na balança de comércio distorce as contas. Sem essa receita fictícia, o rombo teria chegado a US$ 7,8 bilhões.
O País, segundo a secretária de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Tatiana Prazeres, ainda poderá ter um saldo positivo este ano, embora muito menor, certamente, que o de 2012 (US$ 19,41 bilhões). O resultado é em grande parte explicável, disse a secretária, pelas operações com petróleo e derivados. Foi um déficit de US$ 15,44 bilhões, 270,31% maior que o de um ano antes. A observação pode parecer razoável, mas o problema da conta petróleo está longe de ser acidental ou passageiro. No ano passado, o rombo, no mesmo período, havia sido 164,26% maior que o de janeiro a julho de 2011. Também isso é consequência da política econômica.
As importações de combustíveis e lubrificantes têm aumentado porque a Petrobrás deixou de produzir petróleo e derivados em volumes suficientes. Isso resulta do estilo de gestão adotado no governo anterior, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva subordinou a estatal a seus objetivos políticos. A alardeada autossuficiência nunca foi muito além do marketing presidencial.
O acúmulo de erros minou as finanças e a capacidade produtiva do grupo. Houve investimentos mal planejados, prioridades mal escolhidas, controle de preços e uso da empresa como instrumento de uma política industrial voluntarista. As correções iniciadas pela atual administração tiveram efeitos até agora limitados. A política de preços, apenas atenuada nos últimos tempos, causou danos enormes à produção de etanol, porque o álcool se tornou proporcionalmente mais caro.
O mau estado das contas externas mais uma vez reflete os grandes erros da política econômica. As exportações de produtos básicos e semimanufaturados somaram 60,2% da receita comercial acumulada nos sete meses. A participação dos manufaturados cresceu ligeiramente, de 36,8% para 37,5% (o resto da conta corresponde às chamadas operações especiais). Mais uma vez, portanto, o Brasil se caracterizou como fornecedor de commodities e pagou um preço pesado por isso. Pela média diária, houve redução de 1,6% na receita dos básicos e de 6% na de semimanufaturados.
Esse efeito foi particularmente sensível em julho, quando os preços de 12 das 22 principais commodities foram menores que os de um ano antes. Os valores desses bens são normalmente mais afetados pelas oscilações da demanda que os preços dos manufaturados. Mas a diplomacia comercial, ao desprezar acordos com os mercados mais desenvolvidos, tornou o Brasil mais dependente da América Latina para as vendas desses produtos.
Também na região os produtores chineses vêm tomando espaços dos brasileiros. Nada parece mais natural. Basta levar em conta a baixa qualidade dos acordos comerciais firmados até com os vizinhos e as condições de competição, minadas pelo encarecimento da produção, pelo alto custo do investimento e pelo ambiente - incluído o sistema de transportes - altamente desfavorável aos negócios. A atenção maior ao consumo que à produção afeta a balança comercial desde 2007, quando as importações começaram a crescer mais que as exportações.
Nem o aparente arrefecimento da inflação justifica maior otimismo. Com a piora das contas públicas, pressões inflacionárias continuarão forçando o Banco Central a manter juros elevados. Mudanças no cenário global complicam o quadro. A alta do dólar é mais um fator de elevação de preços e o financiamento externo tende a ficar mais difícil.
Enquanto isso, o cardápio da política econômica permanece quase invariável, com pequenas mudanças para pior. Enquanto ministros da área econômica encenam um corte de gastos de R$ 10 bilhões - tesourada no vento, na maior parte -, a presidente se dispõe a liberar R$ 6 bilhões para amansar uma base parlamentar indócil. A eleição continua dominando as atenções do governo, como se todo o resto, incluída uma economia de uns R$ 4,5 trilhões (cerca de US$ 2,2 trilhões), pudesse esperar.
03 de agosto de 2013
Rolf Kuntz, O Estado de São Paulo
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