"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sexta-feira, 11 de novembro de 2011

PLEBISCITO JÁ - PARA TODOS

Engajada na maratona de derrubar ministros, nossa mídia está esquecendo outros deveres tão importantes quanto o de acabar com a corrupção e a improbidade na administração pública.

Imprensa e cidadania são gêmeas siamesas, inseparáveis, uma serve à outra. Nosso inesgotável acervo de mágicas conseguiu, porém, que caminhem separadas, geralmente às turras. Se a imprensa pretende reassumir-se como Quarto Poder deve lembrar que esta é uma tarefa full-time, com dedicação exclusiva – bico, biscate e regime de meio expediente não criam um ambiente de responsabilização e transparência.

Exemplo da desatenção e descaso da mídia dita nacional é o plebiscito que no próximo dia 11 de dezembro deverá decidir sobre a divisão do atual território do Pará em mais dois estados.

A propaganda da Justiça Eleitoral no rádio e na TV já está convocando o eleitorado paraense – residente no estado ou fora dele – para a consulta popular. Legítimo. A Constituição de 1988 prevê a criação de novos estados federativos e territórios desde que ouvida a “população diretamente interessada” (artigo 18, parágrafo 3º).

Manifestação embargada

Algum editorialista especializado em investir contra o Estado paquidérmico e os escorchantes impostos lembrou-se de assestar suas baterias contra o novo assalto ao Erário?

Algum dos eminentes colunistas desceu do pedestal das suas transcendências para cuidar de assunto tão insignificante como o de triplicar as despesas de uma unidade federativa – uma dos maiores – num momento em que o mundo inteiro empenha-se em cortar despesas para enfrentar a crise econômica global?

Algum pauteiro lembrou-se de mandar um repórter ouvir juristas e filólogos para discutir o exato significado e as implicações do advérbio “diretamente”? A população diretamente interessada no assunto é apenas aquela com domicílio eleitoral no Pará? Os demais contribuintes não têm o direito de se manifestar sobre o destino do seu rico dinheirinho? Melhorar o SUS e a deplorável qualidade do ensino básico em todo território nacional não interessa diretamente à população brasileira?

A fabulosa despesa mensal para pagar mais dois governadores e respectivas cortes, mais 50 secretários, pelo menos mais uma centena de deputados estaduais, batalhões de magistrados, procuradores, promotores de justiça, policiais, professores, médicos, não seria mais bem aplicada na diminuição das desigualdades sociais e melhoria de nossos índices de qualidade de vida no próprio estado do Pará, na Amazônia ou na periferia das grandes cidades brasileiras?

Os repórteres que cobrem o Tribunal Superior Eleitoral não souberam que, em 9 de julho de 2011, o eminente constitucionalista e professor Dalmo de Abreu Dallari entrou com uma representação na qualidade de cidadão arguindo essa absurda descriminação contra o cidadão-eleitor-contribuinte dos demais estados, proibido de manifestar-se sobre uma questão que o afeta diretamente e cuja fatura será certamente obrigado a pagar? [Ver abaixo a íntegra da representação.]

Três macaquinhos

É possível que ruralistas, desmatadores e matadores, políticos com ficha dúbia e barões do crime organizado amparados em pareceres “técnicos” encontrem argumentos em defesa da nova fragmentação do antigo Grão-Pará. A mídia precisa ouvi-los. Também os especialistas em segurança nacional sobre os perigos de tornar ainda mais despoliciadas, mais porosas e perigosamente permeáveis as fronteiras do norte do país.

O que não se pode, sob qualquer hipótese, é embarcar cegamente nessa aventura secessionista, alucinada e falsamente nacionalista, sem um debate verdadeiramente nacional.

Ao contrário dos três macaquinhos sábios que só queriam o bem, a macacada midiática nada vê, nada ouve e nada diz. Adora ser passada para trás.

Alberto Dines em 08/11/2011

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