Tive um amigo chamado Filinto, formado em Botânica com pós graduação em Etno Botânica. Ele me ensinou que a Etno Botânica estuda o uso dos vegetais pelas diferentes etnias em nossa história. O primeiro e principal uso das plantas pelas etnias é a alimentação, como se deveria esperar; mas o segundo uso (quando inquirido, arrisquei dizer que seria vestuário) para espanto que quem se aprofundar no assunto, é o farmacológico, a princípio, não para curar, e sim para a alteração de estados de consciência. O uso psicotrópico inclusive precede o uso têxtil das plantas.
A conclusão é que o ser humano usa drogas para alterar sua percepção do mundo e seus estados psicológicos desde que pôde ser considerado como tal. E não somos só nós, humanos. Diversos animais conhecem plantas que alteram estados mentais. A amarula (ou marula, de onde se tira o cobiçado licor) é disputada por elefantes, macacos e várias outras espécies de animais na África. E só é disputada quando cai da árvore e no chão permanece por alguns dias, fermentando; o que faz aparecer o teor alcoolico tão apreciado por todos.
A conclusão disso é que tentar acabar com a demanda por drogas para acabar com o tráfico é tão fácil quanto convencer pessoas a pararem de comer, ou de fazerem qualquer coisa que já façam há milhares de anos. Ou como dizia um colega, culpar o usuário pelo tráfico, é como queimar o sofá pra impedir que a esposa pare de trair o marido (no sofá).
O problema das drogas é que houve uma dissociação da função original do uso, que era basicamente religioso e ritualístico. Com a evolução do pensamento e o progresso da filosofia, os cultos que envolviam o consumo de psicotrópicos perderam força, mas a sedução dos efeitos das substâncias e seu apelo para o homem, não.
Os gregos já conheciam o ergot, usado no culto de Eleusis. O ergot é um fungo que aparece em cereais e pode ter efeitos bastante adversos, mas quando preparado apropriadamente é um poderoso alucinógeno de onde, já no século XX, foi sintetizado o LSD. Na Europa temos o Manita Muscaria, cogumelo tido como venenoso, mas que, de novo, se usado apropriadamente, tem fortíssimos efeitos alucinógenos. A Igreja Católica chegou a usar de artifícios, associando o cogumelo ao mito de São Nicolau (Papai Noel) para poder penetrar a sólida identidade cultural dos povos nórdicos.
Não há como acabar com o consumo, há sim como acabar com o tráfico, este, produto direto da criminalização e gerador de mais crime e corrupção.
Temos que entender como se fez a criminalização das drogas. Em primeiro lugar, quem prova drogas experimenta imediatamente uma transformação na forma de ver o mundo. As portas da percepção (como gostava de dizer Aldous Huxley, escritor, pensador e usuário) se abrem para quem experimenta, principalmente as drogas de maior efeito psicotrópico. A forma de ver o mundo muda, em todos os indivíduos. Quanto mais alto o nível sócio cultural do usuário, maior vai ser a mudança na forma de ver, analisar e julgar a ‘realidade’ que nos cerca.
Em certos casos pode haver mudanças radicais na forma de interagir com o mundo, por isso é sempre recomendável um mentor, um guia. Ora, a sociedade ‘civilizada’ não quer ninguém pensando diferente dos outros, e do que os que nos governam querem que pensemos. No Islam dos primórdios, por exemplo, proibiu-se o álcool, que podia gerar os mesmos êxtases que buscava Mohamed, sem a necessidade de se curvar a um culto ou divindade duvidosa.
Já na nossa sociedade as drogas eram bastante toleradas até o início do século XX, tendo inclusive sido usadas para ‘vencer barreiras’ comerciais, vide as Guerras do Ópio, precursor do moderno tráfico com todos os prejuízos para a sociedade e indivíduos que temos hoje.
No início do Século XX a Dupont começava a pesquisar os primeiros medicamentos com efeitos psicológicos, calmantes e etc. Não queria que substâncias facilmente produzidas e comercializadas, que em alguns casos podiam até ser produzidas em casa (caso da maconha); concorressem com seus caros e exclusivos produtos, muitos deles derivados do ópio e da cocaína. Seu poderoso lobby no congresso estadunidense conseguiu a proibição do uso de maconha, cocaína e haxixe, e sua criminalização.
Anteriormente, durante a Lei Seca, as casas de ópio, e o consumo de haxixe, cocaína e maconha tinham ganhado tremendo impulso devido à proibição de fabrico, comercialização e uso de álcool, o que preocupou a Dupont levando ao processo que culminou com a proibição e criminalização.
Resumindo, a criminalização das drogas é a verdadeira responsável pela corrupção, pelo crime e pelo preconceito que leva o usuário a ser visto como um ser inferior, um pária que com sua ‘doença’ arrasta a civilização para o caos e a desordem, nenhuma besteira poderia ser maior que essa.
Cabe aqui então uma nova pergunta: Existiriam traficantes se a droga fosse liberada?
Recomendo a leitura do “Grande Livro da Cannabis”, de onde várias informações acima foram tiradas.
René Amaral Jr.
Um painel político do momento histórico em que vivem o país e o mundo. Pretende ser um observatório dos principais acontecimentos que dominam o cenário político nacional e internacional, e um canal de denúncias da corrupção e da violência, que afrontam a cidadania. Este não é um blog partidário, visto que partidos não representam idéias, mas interesses de grupos, e servem apenas para encobrir o oportunismo político de bandidos. Não obstante, seguimos o caminho da direita. Semitam rectam.
"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)
"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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