Internacional - América Latina
Quem tem interesse em pôr um sinal de igualdade entre os que assaltaram e destruíram o Palácio da Justiça, e os que defenderam o Estado democrático?
O senador Roy Barreras brinca de quê, com sua proposta sobre o caso do Coronel Alfonso Plazas Vega?
O legislador do partido da U pretende que a recente proposta do ex-presidente Álvaro Uribe, de votar uma reforma constitucional que ponha fim à injustiça que se está cometendo contra o Coronel Alfonso Plazas Vega e contra o General Jesús Armando Arias Cabrales, condenados a longas penas de prisão por sua atuação na defesa do Palácio da Justiça em 1985, em julgamentos onde se violam todas as regras do Direito e onde se empregaram provas falsas, “não é viável, como tampouco o é a idéia de uma lei de ponto final, perdão e esquecimento”.
Roy Barreras estima que os “padrões internacionais”, quer dizer, os obscuros preceitos estrangeiros ante os quais nossa Constituição deve se ajoelhar, tampouco o permitem. Para Roy Barreras, a única saída é aplicar a esses altos oficiais a chamada “justiça transicional”.
Porém, quem disse que esses oficiais estão buscando leis de “ponto final” que os favoreçam, ou que se dite um decreto de anistia, ou que se invente alguma saída de “perdão e esquecimento” para eles? Não, eles pedem outra coisa, muito mais saudável e direta: que a justiça colombiana cumpra com o seu dever, que revise as sentenças e que os tribunais de instância atuais, com a legislação vigente, os declare inocentes. Eles não estão pedindo que lhes façam favores, nem que se façam equilibrismos com seus processos, nem que se improvise uma legislação de circunstância para tirá-los da prisão pela porta de trás.
Eles são cidadãos que, a justo título, se sabem inocentes, pois sua atuação no Palácio de Justiça foi legal e seus advogados o provaram de maneira reiterada nos processos. Eles pedem que as instâncias judiciais colombianas corrijam os erros e ilegalidades que certos operadores judiciais cometeram contra eles e os declare inocentes. “Não necessito anistias, senão minha absolvição”, disse o Coronel Plazas a um jornal de Bogotá em 8 de fevereiro de 2011. Não é muito digna de respeito essa atitude?
Porém, como o senador Barreras não acredita na inocência desses heróis da República, ele propõe-lhes tão-só uma hipotética “rebaixa de penas”, como diz El Espectador (8 de fevereiro de 2012). O parlamentar propõe que a sorte desses oficiais fique dependendo dele, de seu projeto de reforma que se tramita no Congresso e que ele chama de “marco legal para a paz”.
“Mesmo sendo culpados, merecem uma solução jurídica no marco da justiça transicional. E na hipótese de ser inocentes, o que merecem é voltar à sua casa”, diz Roy Barreras. Esse enfoque é confuso. Na hipótese de ser inocentes? O senador não viu o que revela o magistrado Herminsul Darío Lara Acuña em seu salvamento de voto? Não viu como os dois outros operadores, Alberto Poveda e Fernando Pareja, cruzaram a linha vermelha ao assinar uma sentença perversa e demente, por ser político e anti-jurídico, onde reutilizam provas descartadas por todo mundo (inclusive duas juízas: María Stella Jara e María Cristina Trejos) e onde pretendem impor sanções que não existem em Direito e a pessoas que não estavam sendo julgadas?
Se acreditasse na inocência deles, o senador Barreras não anteporia seus interesses pessoais (levar adiante seu inconveniente projeto de “justiça transicional”), senão que pediria, como fazem milhares de colombianos, que a Corte Suprema de Justiça volte ao bom caminho e faça respeitar a lei.
O texto de Roy Barreras aprovado até hoje em comissões, não oferece nada aos militares pois só protege, como diz a imprensa, “os grupos armados ilegais que se acolham a um processo de negociação”. Teria que re-discutir o projeto, voltar ao texto inicial que incluía os chamados “atores do conflito”, dentro dos quais ele inclui erroneamente os militares e policiais da Colômbia. Interpretando as declarações do senador Barreras, El Espectador concluía: “Isso sim, a justiça trasicional se aplicaria para os militares em troca da verdade, por exemplo, dizer onde estão os desaparecidos do Palácio. Em troca, terão redução de penas”.
Vê-se que por detrás de tudo isso, o que há é um pedido dissimulado de que os inculpados digam “onde estão os desaparecidos”. Eles, todavia, falaram muito claro a respeito. A história dos “desaparecidos” é uma lenda fabricada pelo M-19. O senador Barreras deveria se atualizar a respeito e lançar essa pergunta ao Ministério Público, pois é em seus subterrâneos onde estão, há anos, os corpos desses “desaparecidos”, como explicou o doutor José Vicente Rodríguez Cuenca, chefe de antropologia forense da Universidade Nacional de Bogotá.
A justiça transicional parte de um princípio muito discutível: os “atores do conflito” são culpados ou não, mas isso não é central. Todos eles acabam não sendo julgados, nem punidos, nem absolvidos, em virtude de uma certa “filosofia” que pretende que “a sorte do criminoso importa pouco”, enquanto o que conta é “resolver o conflito”, “atender à vítima”, reconciliá-la com seu verdugo, para que façam as pazes. É uma justiça excepcional, “de reparação”, dizem, cujo objetivo não é a justiça em si, senão chegar a um novo modus vivendi, que permita fazer a transição entre uma guerra civil e um apaziguamento. É uma “justiça” que pode ser aplicada por magistrados e por não magistrados.
Essa justiça é um artefato recente que se aplica (com resultados medíocres) em alguns países africanos que tiveram genocídios e matanças imensas, e guerras civis verdadeiras, e onde a justiça é rudimentar ou inexistente e os atos criminosos não são investigados ou quase, pois o tempo passou e a desordem institucional foi enorme. Então, essa “justiça” deixa as pessoas sem processo, tanto as inocentes quanto as culpadas. É o que fizeram ou tratam de fazer em Uganda (primeiro país onde foi experimentada essa “justiça” em 1974), na África do Sul, Ruanda, República Democrática do Congo, Burundi, Ghana e Serra Leoa.
Quem pode estar interessado em que os militares que salvaram o país em 1985 recebam esse tratamento e não recebam uma sentença que os declare, por fim, inocentes? Quem tem interesse em que as aberrações judiciais de hoje não sejam objeto de sanções? Quem tem interesse em pôr um sinal de igualdade entre os que assaltaram e destruíram o Palácio da Justiça, e os que defenderam o Estado democrático? Os heróis militares têm direito a uma verdadeira declaração de inocência e a atos de reparação por parte de um tribunal colombiano. Esse direito não pode ser trocado por uma saída exótica, pela metade, originada em uma legislação digna de países onde não houve Direito, nem Estado de Direito, ou onde este foi derrubado de verdade.
Eduardo Mackenzie,
22 Fevereiro 2012
Tradução: Graça Salgueiro
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A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)
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