"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 5 de fevereiro de 2012

O PALCO DA NOVA GUERRA FRIA

Disputas territoriais podem esbarrar nos interesses comerciais dos Estados Unidos no Mar da China Meridional

O Mar da China Meridional e suas muitas disputas deram origem a análises acadêmicas em escala industrial. Mas como um assunto de interesse internacional capaz de atrair a atenção do planeta, o conflito tem um problema de imagem: muitas tecnicalidades misteriosas, muitas conferências, e muitos papéis de pesquisa; mas poucos tiros disparados. Deve ser por isso que analistas apresentam a disputa de maneira quase apocalíptica: “O Mar da China Meridional é o futuro dos conflitos” exclamava um artigo de setembro da Foreign Policy, uma publicação norte-americana.
O autor, Robert Kaplan, prevê que “assim como o solo alemão se transformou na linha de frente da guerra fria, as águas do Mar da China Meridional podem se transformar no front militar das próximas décadas”.

Ele pode estar certo. As disputas pelas águas estão cada vez mais longe de uma solução. Mas elas existiram por décadas sem que a paz global fosse ameaçada, e não têm necessariamente que se tornar o principal foco de tensão entre a China e os Estados Unidos.
Uma recente publicação do Centre for a New American Security (CNAS), uma usina de ideias norte-americana, usa o local para justificar uma intensificação da marinha nacional. E por outro lado, os chineses também parecem muito dispostos a se tornarem peças de guerra fria marítima.

Um exemplo foi a reação da imprensa chinesa às notícias do fim de janeiro de que as Filipinas querem “maximizar” seu tratado de defesa com os Estados Unidos, com mais exercícios conjuntos, e mais soldados norte-americanos na região.
Ao explicar suas decisões, membros do governo citaram ameaças oriundas das “disputas territoriais”. Os Estados Unidos não vão pressionar a Malásia a respeito da reivindicação filipina de Sabah, em Borneo, então eles só podem estar se referindo ao mar da China Meridional. De todos aqueles que reivindicam ilhas, atóis, rochas, e águas, a disputa ativa dos filipinos é com os chineses. Com certeza foi assim que o jornal chinês Global Times entendeu, já que clamou por sanções contra as Filipinas.

Os governos das Filipinas também pagam um preço político por seus laços de segurança com os Estados Unidos. O regime atual pode ter se sentido provocado pelo fato da China ter ignorado seu protesto relativo a incursão de três navios chineses no chamado “Mar Ocidental das Filipinas”. Disputas como essa são comuns.
A China e Taiwan parecem reivindicar praticamente todo o Mar da China Meridional.<b> O Vietnã reivindica o arquipélago de Paracel, do qual foi expulso pela China em 1974, e as ilhas Spratlys, no sul, reivindicadas também por Brunei, Malásia e Filipinas.
No passado, existiram momentos de tensão – entre a China e o Vietnã em 1988, e entre a China e as Filipinas em 1995. Em momentos normais, o conflito é levado adiante em partes pela construção competitivas nas ilhotas ocupadas e pelas hostilidades a pescadores e navios petroleiros, mas principalmente pela diplomacia.

Há muito em jogo, graças à enorme importância econômica da região, onde um décimo da produção pesqueira mundial acontece. Além disso, metade do comércio internacional passa pelo Mar da China Meridional, e – num termo que assombra a literatura acadêmica como um fantasma – a região é conhecida como “o novo Golfo Pérsico” – um baú de tesouros de hidrocarbonetos que a China, preocupada com a vulnerabilidade de sua próprias reservas, vê como sua propriedade.

Com muito a ser discutido, há três razões pelas quais os argumentos estão se tornando mais estridentes. O primeiro, é o “reforço” do acordo de defesa entre os Estados Unidos e as Filipinas, que deve ser analisado dentro do contexto da tão promovida “virada” na estratégia norte-americana na Ásia. Após o anúncio em novembro da presença permanente de fuzileiros norte-americanos em Darwin, no norte da Austrália, a mudança intensifica os temores chineses de que os norte-americanos estão buscando conter a ascensão chinesa, tanto por sua própria distribuição militar, quanto pelas alianças com países menores, como as Filipinas. Além disso, tanto as Filipinas quanto o Vietnã podem, em muito breve, começar a extrair petróleo. A China não quer que isso crie qualquer espécie de precedentes.

Por fim, o mais importante: a posição da China continua a irritar os outros países que fazem reivindicações territoriais. Não está claro, por exemplo, no que se baseia essa reivindicação. E, ao se recusar a apoiar negociações sérias com a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), da qual quatro dos países envolvidos nas disputas fazem parte, a China parece querer escolher suas disputas uma a uma. Até pouco tempo, suas brigas mais ferozes eram com o Vietnã, mas essa relação parece ter melhorado, agora que os chineses passaram a se concentrar nas Filipinas. E em julho do ano passado, a China concordou com a ASEAN nas “diretrizes” para a criação de uma “declaração” de um código de conduta com o qual os dois lados concordaram em 2002, para reduzir as tensões na região. No ano passado, a presidência da Associação estava nas mãos da Indonésia. Nem o Camboja que preside a associação no momento, nem Brunei e Mianmar, que serão os próximos presidentes, devem se arriscar a criar problemas com a China fazendo do problema marítimo uma questão multilateral.

Existe a possibilidade de que os Estados Unidos, com sua poderosa marinha e enorme interesse na liberdade de navegação e comércio, se envolverá mais no que o CNAS chama de “indicador estratégico para determinar o futuro da liderança norte-americana na região da Ásia e do Pacífico”. A China, no fim das contas, parece disposta a testar essa afirmação.
5/02/2012
Fontes:The Economist

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