"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



domingo, 15 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY


ERAM QUATRO AMIGOS, TRÊS PAULOS

Era um grupo de amigos da Rua Rodrigo Otávio, na Gávea, no Rio dos anos 60. Numa sexta-feira, sem programa, quatro deles resolveram ir a Petrópolis, arriscar alguma aventura. Pegaram a litorina, um trem que fazia Rio-Belo Horizonte, desceram em Petrópolis, hospedaram-se no Hotel Comercial, perto da estação, quatro camas em um quarto só.
Saíram para curtir a cidade. Fazia um frio do cão, ninguém pelas ruas. Deixaram o programa para o dia seguinte, voltaram para o hotel. De madrugada, “uma voz arfante, nervosa e solitária, gemia”. Na janela, com um enorme lenço branco, um deles tentava respirar o ar frio de Petrópolis.
Os outros acordaram, foram socorrê-lo:
– O que é que você tem?
– Asma. Sou asmático e às vezes não consigo dormir por falta de ar.

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PAULO COELHO

Bombeava seu remédio na boca, tomava fôlego, gemia e se maldizia:
– Vejam vocês. Que futuro posso ter, se nem consigo respirar, feio, tímido e inseguro como sou e ainda por cima doente, quase tuberculoso?
“Tossia, levava o lenço à boca, cuspia do alto da janela, fazendo lembrar os poetas tísicos que morreram moços, muito moços. Naquela janela, pernas encolhidas, queixo nos joelhos magros, era a fotografia da desesperança. Custava-lhe muito falar. A impressão é que não chegaria vivo ao amanhecer”.
Os amigos tentavam animá-lo e ele ali sofrendo. Eram quatro, três Paulos: Paulinho, hoje coronel da reserva da Aeronáutica; Paulo César, hoje o artista plástico Mendes Faria, e o terceiro Paulo, o asmático, tossindo e cuspindo na janela, “frágil, inseguro e amedrontado como um filhote sem mãe, queixava-se de ser muito feio, raquítico, sem nenhum charme para as garotas e predizia para si mesmo um destino infeliz. Seu sonho era ser rico, famoso e membro da Academia Brasileira de Letras”.
O nome dele era Paulo Coelho, hoje rico, famoso, membro da Academia Brasileira de Letras e o maior fenômeno mundial do livro.

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MENDONÇA NETO

O quarto amigo, que contou esta história em um primoroso livro de crônicas (O Ministro Que Virou Garçon), é o veterano jornalista Mendonça Neto, mineiro que passou por algumas das mais importantes redações do Rio, como o Diário de Notícias, O Cruzeiro, a Manchete, Tribuna da Imprensa e foi duas vezes deputado estadual e duas vezes federal pelo PDT e pelo PMDB de Alagoas.
Além de Paulo Coelho, seu livro tem numerosos outros brilhantes perfis: dom Helder, Carlos Lacerda, Prestes, Brizola, Jânio Quadros, Adolfo Bloch, Castelo Branco, Teôtonio Vilela, Fernando Henrique, etc. Imperdível.

Sebastião Nery
15 de abril de 2012

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