A internet seria realmente a grande revolução profetizada por seus ideólogos?
A utopia digital não é exatamente uma novidade. Nem sequer começou quando Steve Jobs fazia suas experiências na garagem da casa dos pais com a certeza de que o uso do computador pessoal iria mudar para sempre o modo das pessoas viverem. Nos anos 50, cientistas já faziam suas experiências com computadores em rede (já existia mouse e tudo) e garantiam que o novo tipo de comunicação acabaria em uma sociedade sem intermediários, sem governos, instituições, e mesmo assim perfeitamente “equilibrada”.
Com a disseminação da internet, contudo, essa ideia se popularizou. Para os ideólogos do momento, as novas tecnologias de comunicação estavam contribuindo definitivamente para um mundo onde as pessoas se comunicariam mais rápido e mais fácil. Novamente, profetizou-se uma ideia de revolução: com a possibilidade de se juntar em redes e comunidades, ninguém precisaria mais de intermediários, e sairiam de cena os políticos, os juízes, os legisladores, os jornalistas, qualquer pessoa que ousasse atravessar o seu desejo. A internet ofereceria um mundo em que a procura havia desbancado a oferta, e onde todos poderiam buscar exatamente o que quisessem sem ninguém atravessar o seu caminho.
Era exatamente este mundo que defendi nas minhas últimas colunas, quando tentava defender o bem que o download ilimitado de bens culturais estava fazendo para as novas gerações. Graças a esse novo sistema, elas não dependiam mais de intermediários (gravadoras, editoras, grandes corporações) para ter acesso ao que queriam. Por mais que me sinta feliz em um mundo assim, confesso que volta e meia começo a me questionar: mas, e a longo prazo? Que futuro poderemos esperar de uma sociedade baseada inteiramente no conceito de procura?
Confesso que me sinto dividido ao ler argumentos tão convincentes quanto os do francês Dominique Wolton, um dos principais teóricos da comunicação da atualidade. Seu livro, Informar não é comunicar, lançado recentemente no Brasil pela editora Sulina, é o responsável por colocar essa pulguinha atrás da minha orelha quando o assunto é a liberdade da internet. Afinal, o que Wolton faz é jogar um banho de água fria em todos os utopistas da revolução digital, os que acreditam que a web abriu terreno para uma possível democracia direta. Uma democracia sem intermediários, diz Wolton, é a democracia do tirano. Tudo isso, diz ele, é fruto de uma visão tecnicista da comunicação, que não apenas cria uma confusão entre o que é informação e o que é comunicação, como também releva a capacidade crítica do receptor exposto à mensagem, e sua resistência a uma visão diferente do mundo.
Há dois anos, conversei com Wolton por telefone. Estava intrigado por seu livro, cuja ideia principal havia colocado em crise minha maneira de pensar questões como o futuro da mídia e do consumo de bens culturais através do download ilegal. O que dizia Wolton? Dizia que os avanços da comunicação deflagraram a nossa dificuldade de se comunicar, já que há um descompasso entre a velocidade e o volume de informações aos quais temos acesso todos os dias e nossa capacidade de nos comunicar.
“As informações avançam rápido, enquanto a comunicação, muito devagar. Identificamos erroneamente as técnicas de comunicação ao progresso, e esquecemos da complexidade do homem. A comunicação é uma das apostas científicas do século 21: precisamos gerar nossas diferenças, coabitar, muito mais do que dividir o que temos em comum”, me disse ele.
É aí que entra minha promessa na coluna da semana passada, quando disse que, finalmente, traria bons argumentos contrários à pirataria. Para Wolton, minha defesa sobre as novas formas de consumir bens culturais, como o donwload indiscriminado, é um suicídio a longo prazo, porque acaba com o sistema de oferta e procura e produz um público preso a nichos, comunidades.
Ao buscar somente aquilo que desejam, as pessoas estão fechando seus horizontes. Todos estão lendo as mesmas coisas, assistindo as mesmas coisas, escutando as mesmas coisas.
Ao contrário do espaço de integração e pluralidade que tanto defendi nas colunas anteriores, Wolton vê um sério risco de segmentação: usuários isolados em suas ilhas, ou limitados a seus grupos de afinidades, incapazes de dialogar com valores diferentes dos seus.
“A comunicação é um projeto político”, diz ele.
“Com a internet, corremos o risco de entrar no comunitarismo: as comunidades se prendem em suas próprias afinidades, sem dar atenção a outras possibilidades. A comunicação é uma ida e volta, é preciso negociar as diferenças”.
Fico, portanto, terrivelmente dividido. Por um lado, não sinto nem um pouco saudades do cenário cultural do passado, quando não podíamos ter acesso a todos os livros, filmes e discos que queríamos, e não éramos, acredito eu, tão cultos e bem informados como somos hoje. Por outro, me pergunto como será a produção artística em uma sociedade em que ninguém foi estimulado a ler, ver e assistir outras coisas do que as que queria originalmente.
Bolívar Torres
15/04/2012
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