Estátuas heroicas registram a versão higienizada e oficial da história, mas os despojos de uma sociedade dizem mais sobre modo de vida de seus membros
Embora as tumbas subterrâneas e as cidades perdidas fiquem com toda a atenção midiática, uma das coisas mais valiosas que um arqueólogo pode exumar é lixo. Murais de palácios e estátuas heroicas registram a versão higienizada e oficial da história, mas os despojos de uma sociedade contam a verdadeira história do modo de vida de seus membros.
Com esse pensamento em mente, os arqueólogos do futuro não terão do que reclamar. As sociedades industriais dos países desenvolvidos são as maiores geradoras de lixo do mundo; seus tentáculos de lixo alcançam todos os cantos da Terra.
O lixo, quase que por definição, é algo que a maioria das pessoas escolhe não pensar muito a respeito. Mas Edward Humes, um jornalista americano, é fascinado pelo assunto. “Garbology” é a sua tentativa de atribuir sentido a nossa inédita disposição de jogar as coisas fora.
O livro começa no aterro de Puente Hills, uma montanha artificial nos arredores de Los Angeles. Com 30 anos de idade, 150 metros de altura e contendo 130 milhões de toneladas de lixo em uma área de 283 mil hectares, este é o maior lixão dos Estados Unidos. Caso fosse um prédio estaria entre os 20 prédios mais altos da cidade.
A arte de construir uma montanha de lixo é supreendentemente high-tech. A montanha é um gigantesco bolo de camadas putrefato, com dezenas de camadas de lixo separadas por terra e lonas de plástico projetadas para conter a infusão de produtos químicos nocivos que do contrário contaminariam lençóis freáticos.
O chorume produz metano, que é coletado através de uma rede de tubulação que transfixa a montanha e queimado para produzir eletricidade.
O autor interessa-se tanto pela criação de lixo como por seu armazenamento. Poucos discordarão com o cerne de suas observações a respeito das falhas de nossa cultura moderna, descartável e consumista, ainda que a análise da questão seja bastante superficial.
Humes chega perto de culpar um único homem – J. Gordon Lippincott, um desenhista industrial – pela criação de todo um modelo perdulário de consumismo moderno.
Mas ainda que seja compreensível que um autor americano se debruce sobretudo sobre os problemas dos Estados Unidos, tem-se a sensação de que uma oportunidade foi perdida.
Algumas das partes mais interessantes do livro ficam perto do fim, em que são discutidas algumas soluções possíveis – como a estratégia dinamarquesa de queimar lixo para produzir eletricidade, ou do esquema irlandês de cobrar os consumidores por sacolas plásticas, o que levou o uso a cair mais de 90%. Uma leitura estimulante.
21 de abril de 2012
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