"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 10 de abril de 2012

ENTREVISTA: HERALDO PEREIRA DESABAFA...

Por um jornalismo isento

Heraldo Pereira desabafa com muita indignação sobre Paulo Henrique Amorim que, entre outras coisas, o chamou de "negro de alma branca" e foi condenado pela Justiça a se retratar e pagar uma indenização. Mas lembra, com felicidade, de seu início no jornalismo numa rádio em Ribeirão Preto, interior de São Paulo e fala da cidade de Brasília, onde mora há 25 anos, local que passou a amar e admirar.
Foto Divulgação Tv Globo/Sérgio Seiffert
Estamos acostumados a vê-lo tranquilo e sempre contido nas palavras e nos gestos quando apresenta, entre outras coisas, o quadro Pinga-Fogo, que vai ao ar no Jornal da Globo. No entanto, Heraldo Pereira, de 50 anos de idade e mais de 30 anos de carreira, saiu um pouco dessa postura de calmaria inabalável para falar sobre o episódio envolvendo o jornalista Paulo Henrique Amorim, que, em fevereiro, foi condenado pelo Tribunal de Justiça de Brasília a se retratar e a pagar uma indenização de R$30 mil a Heraldo (doada a uma instituição de caridade).
"No mundo de hoje, ninguém pode ser ofendido como fui, pelo fato de ser negro. O agressor não faz uma análise profissional, política ou comportamental da minha pessoa. Ele faz uma leitura intolerante a partir da racialidade. Destaca sempre como fato a ser distinguido a cor da minha pele e desmerece a minha pessoa num gesto de crueldade", protestou o jornalista.
Nessa entrevista, Heraldo Pereira lembra do início da sua carreira, fala sobre cotas e revela: "Eu, como jornalista, não gosto de dar opinião. Sou um jornalista que não gosta de expressar meu ponto de vista. O que eu gosto é descrever os fatos, com o máximo de isenção possível."

"VOCÊ SÓ TEM EVOLUÇÃO COM A CONSTRUÇÃO DA CIDADANIA. NÃO VAI ENCONTRAR REFERÊNCIA DE CIDADANIA NA FIGURA QUE ESTÁ NA POLÍTICA. VOCÊ VAI ENCONTRAR REFERÊNCIA DE CIDADANIA NO ELEITOR, NÉ? ACHO QUE A COISA MAIS FANTÁSTICA É A CONSCIENTIZAÇÃO CADA VEZ MAIOR DO ELEITOR. É A PARTIR DAÍ QUE IREMOS CONSTRUIR UMA POLÍTICA NUM NÍVEL MELHOR DO QUE SE VÊ HOJE"

São quantos anos de jornalismo?

Essa pergunta me faz lembrar que estou ficando velho. Comecei minha carreira em 1978, na Rádio Renascença, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Depois fui trabalhar em jornal. E, logo em seguida, fui para uma filiada da Globo, em Ribeiro Preto, que era, na época, TV Ribeirão. Faz tempo, em 1978!
(diz, pausadamente, para depois cair na gargalhada).

Você começou cobrindo o quê?

Comecei cobrindo política na Câmara Municipal de Ribeirão Preto e os assuntos políticos da região.
Então, já iniciou o jornalismo na política?

Eu gostava muito de política. Cobria a Câmara Municipal, que era no centro de Ribeirão Preto. Eu gosto de política. Gosto de política, não, gosto de fazer cobertura política (risos).

Com tantos anos fazendo cobertura da política brasileira, você nunca ficou indignado a ponto de pensar em deixar o jornalismo político?

Você pode não acreditar, mas independentemente de minha indignação, nunca deixaria de cobrir a política brasileira. Sou cidadão. Tenho os mesmos sentimentos que as pessoas de modo geral têm. E faço da atividade política meu trabalho; o contato com as figuras do cenário político. Sou muito brasileiro, adoro o Brasil. Não aguento ficar muito tempo fora. Quando viajo, gosto de voltar logo para casa.

Aproveitando que você falou sobre o Brasil, o que pensa a respeito das transformações que o país está passando nas últimas duas décadas?

Acho que a gente está numa evolução importante. Você só tem evolução com a construção da cidadania. Não vai encontrar referência de cidadania na figura que está na política. Você vai encontrar referência de cidadania no eleitor, né? Acho que a coisa mais fantástica é a conscientização cada vez maior do eleitor. É a partir daí que iremos construir uma política num nível melhor do que se vê hoje.

Como você consegue ter "estômago" para entrevistar tantos políticos corruptos em Brasília?
Eu acabei fazendo o curso de direito. E isso de alguma maneira me ajuda quando vou entrevistar um político. Tento entrevistar todos, independentemente de ele ser ou não desonesto. Faço isso sempre em nome do "fim". O fim é a informação, o fim é o público, é a população. Não tenho reparos aos elementos, do meio político, do meio social, do meio artístico.
Foto Rafael Cusato
Em todos esses anos fazendo o Pinga-Fogo no Jornal da Globo, nunca aconteceu de alguma briga entre os políticos entrevistados impossibilitar de o quadro ir ao ar?

Eu já vi cada "pau" de figuras políticas no cafezinho e nos corredores de Brasília. Mas acho que a câmera inibe um pouco as pessoas, sejam políticos ou não (Heraldo olha para o meu gravador e diz): A própria figura do jornalista inibe um pouco as pessoas.
Na hora que a gente vai fazer o Pinga- Fogo, os políticos dão meio que uma baixada na discussão, e a conversa fica um pouco civilizada. Peguei políticos que antes estavam quebrando o maior pau e, na hora de começar a gravar o quadro, ficaram mais serenos.
Acho que o elemento da comunicação, o jornalista inibe uma briga pra valer dos políticos. Até agora nenhum quadro do Pinga-Fogo deixou de ir ao ar por causa de brigas dos políticos entrevistados. Mas é bom ficar esperto, porque qualquer dia o pau pode estourar e o quadro não poder ir ao ar (risos).

Como você consegue conciliar e aplacar os ânimos mais exaustados dos políticos adversários entrevistados para o quadro?

É muito complicado. As pessoas no ambiente político têm suas contradições, mas elas não estão acostumadas a juntar essas contradições no mesmo lugar.

De onde surgiu a ideia do quadro pinga-fogo?

Essa foi uma ideia de um jornalista chamado Erick Preta. Ele atualmente é diretor da TV Globo do Rio de Janeiro. Na época ele era o editor-chefe do Jornal da Globo. Há alguns anos, ele chegou para mim e disse: "Olha, a gente poderia fazer um quadro em que pudéssemos pôr os políticos de confrontos de opiniões e ideias...". Eu falava para ele que não seria possível juntar políticos assim numa mesma entrevista, lado a lado.

'NUMA DAS PEÇAS DE SUA DEFESA, O RÉU CHEGOU A DIZER QUE AO USAR A EXPRESSÃO 'NEGRO DE ALMA BRANCA', O FEZ PARA ME ELOGIAR. PODE ISSO? SÓ EU E A MINHA FAMÍLIA SABEMOS A DOR QUE SOFRI AO LER TODO AQUELE LIXO EM FORMATO DE TEXTO. É ALGO INDESCRITÍVEL E QUE, NO FUNDO, JAMAIS SERÁ REPARADO, EU BEM SEI"

Você não teve fé na ideia dele?

Não, não mesmo. Não acreditava muito, porque político é ensebado, meio desconfiado. Mas ele acreditou na ideia e me convenceu.

Quando o primeiro quadro do pinga-fogo foi ao ar?

Ah, já tem alguns anos. Não me lembro quando o primeiro foi ao ar. Ele, Erick Preta, inclusive, usou o nome Pinga-Fogo, que foi tirado de uma expressão parlamentar. É um dos momentos da atividade parlamentar, quando acontecem os debates. Na Câmara, nas assembleias, tem o momento do "pinga-fogo"; na Câmara de Ribeirão Preto, tinha o "pinga-fogo" nos momentos das discussões parlamentares. O nome do quadro serviu perfeitamente para a proposta dele. É um quadro interessante. Nem sempre a gente consegue um belo Pinga-Fogo.

Você sente falta de exercer um jornalismo mais opinativo, no qual pudesse expressar mais suas ideias, poder falar de um assunto de forma mais pessoal?

Eu, como jornalista, não gosto de dar opinião. Sou um jornalista que não gosta de expressar meu ponto de vista. O que eu gosto é de descrever os fatos, com o máximo de isenção possível. Eu sei também que a isenção é uma meta a ser atingida. Nós temos as nossas ideologias, nossos preconceitos, nossos conceitos.
Então, busco sempre essa isenção "ideal". O que gosto é de descrever fatos. Se alguma vez tenho que dar opinião, fico incomodado. Eu sempre tento ver a maturidade do receptor da informação e não a formatação que eu vou dar. Prefiro que o receptor da informação, no caso o público, tenha uma abordagem crítica, que faça a crítica.
Posso até identificar o jornalista que está dizendo isso, porque ele apurou ou porque tem uma ideologia. Mas prefiro que o público possa fazer esse lado crítico. Sou contrário aos que dizem "Virou jornalista para dar opinião". O público tem maturidade para identificar as informações que passamos e tirar suas conclusões com base nelas.
Foto Divulgação Tv Globo/Sérgio Seiffert
Há quanto tempo você mora em Brasília?

Lá vem você fazer perguntas que me fazem lembrar que estou ficando velho (risos). Mas vamos lá: eu cheguei em Brasília em 1988, mas antes fui cobrir a Constituinte, em 1986. Depois, mudei para São Paulo, aí que fui de vez para Brasília. Estou lá até agora.

"NÃO VOU PERMITIR QUE UM INDIVÍDUO QUE FAZ PROPAGANDA DO QUE É SER NEGRO EM SUAS RODINHAS DE CONVERTIDOS TARDIOS AO ESQUERDISMO, TODOS CRIADOS EM BERÇO DE OURO, VENHA ME DIZER O QUE É SER NEGRO. NAS MINHAS VEIAS CORREM, COM MUITO ORGULHO, SANGUE DE QUEM FOI ESCRAVO E AJUDOU A FAZER DESTE O NOSSO PAÍS"

O que a cidade de Brasília representa para você?

Eu adoro Brasília! Minhas filhas nasceram lá. A cidade é magnífica. As pessoas dizem "Pô, os políticos de Brasília são isso, são aquilo". Os políticos de Brasília, os realmente da cidade, são três senadores e oito deputados distritais. Todos os demais políticos foram eleitos nos seus respectivos estados e mandados para lá. Daí a responsabilidade do eleitor em votar no político honesto. Acho que Brasília deu uma arrumada no Brasil, sabia? Porque no centro do Brasil não havia, antes de Brasília, o desenvolvimento que acontecia em regiões do Sudeste, do Sul, do Nordeste. Acho que Brasília sintetiza todas as regiões do país e o povo desses lugares. Não devemos nunca esquecer que a cidade tem 52 anos, apenas.

Como recebeu a notícia sobre a condenação do jornalista Paulo Henrique Amorim, que teve que se retratar e pagar uma indenização de R$ 30 mil. O que esse episódio representou para você?

Para ser exato, antes que o juiz civil julgasse a ação indenizatória, por danos moral e à imagem, o réu aceitou tudo aquilo que eu exigia como forma de reparação pela grande injúria que sofri: pagamento de R$ 30 mil reais para uma instituição de caridade, retratação cabal feita no próprio blog dele, que vai permanecer em arquivo por mais de dois anos, e a publicação da mesma retratação, cujos termos falam por si só, nos jornais Folha de S. Paulo e Correio Braziliense. Tudo pago por ele.

Você ficou satisfeito com a condenação?

O que eu buscava com uma condenação, consegui. Ele teve que se retratar. É uma sentença definitiva. Claro, houve sobressaltos. Apesar de assinar o acordo em que nega tudo o que afirmara por longos três anos, meu ofensor fez outros comentários junto à retratação no blog em vez de publicá-la pura e simplesmente como mandou a decisão judicial. Meu advogado, Dr. Paulo Roque Khouri, imediatamente, deu ciência ao juiz Daniel Felipe Machado, da 5ª Vara Civil do TJDFT, que mandou retirar os comentários.
No Correio Braziliense, isso não aconteceu. E, na Folha de S. Paulo, a retratação só foi publicada com atraso e na edição paulista. Tudo isso ainda voltou para que o juiz examinasse se o acordo foi honrado. De todo modo, creio que a Justiça que eu esperava na área cível foi feita em boa parte.
E, agora, aguardo a definição do processo criminal, movido pelo Núcleo de Enfrentamento à Discriminação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Tenho para mim que na esfera criminal a ofensa será dupla e qualificadamente punida por crimes de racismo e injúria racial.

O que o racismo do Paulo Henrique Amorim representou para você?

No mundo de hoje, ninguém pode ser ofendido, como fui, pelo fato de ser negro. O agressor não faz uma análise profissional, política ou comportamental da minha pessoa. Ele faz uma leitura intolerante a partir da racialidade. Destaca sempre como fato a ser distinguido a cor da minha pele e desmerece a minha pessoa num gesto de crueldade. Nós negros sabemos bem qual foi a intenção do réu ao dizer que eu, com mais de 30 anos de carreira jornalística e um título de mestre em direito constitucional, não tenho "nenhum atributo para fazer tanto sucesso, além de ser negro e de origem humilde". São expressões racistas que foram seguidas de um jargão máximo da intolerância: "é um negro de alma branca".
É algo abjeto, que não posso admitir, sobretudo, partindo de quem deve fazer da comunicação um ofício ético e democrático e não uma ferramenta da intolerância. Fora as outras agressões raciais que ele fez diretamente e admitiu em forma de comentários em seu blog no papel de moderador. Sou negro, sempre me empenhei em todas as lutas contra os preconceitos e as intolerâncias desde garoto. Sou de uma família de operárias, empregadas domésticas, pessoas residentes em conjunto habitacional de Cohab e que sempre sofreram o racismo na carne.
Não vou permitir que um indivíduo que faz propaganda do que é ser negro em suas rodinhas de convertidos tardios ao esquerdismo, todos criados em berço de ouro, venha me dizer o que é ser negro.
Nas minhas veias correm, com muito orgulho, sangue de quem foi escravo e ajudou a fazer deste o nosso país. Exigimos respeito com a história de quem construiu o Brasil. Por isso, não poderia deixar essa campanha imunda, com contornos de inveja, passar como se nada tivesse acontecido.
Não honraria o meu passado e nem a luta de negros e brancos que combatem o racismo. O meu agressor chegou a dizer, em sua defesa judicial, que se considera um expoente da luta pela igualdade racial, num gesto de arrogância desmedida. E recebeu uma firme reprimenda do juiz criminal do TJDFT, Márcio Evangelista Ferreira da Silva, para quem, só adere à Lula pela igualdade racial, os que veem diferença entre raças, fato já rechaçado pela genética.
Numa das peças de sua defesa, o réu chegou a dizer que ao usar a expressão "negro de alma branca", o fez para me elogiar. Pode isso? Só eu e a minha família sabemos a dor que sofri ao ler todo aquele lixo em formato de texto. É algo indescritível e que, no fundo, jamais será reparado, eu bem sei. O próprio juiz Daniel Felipe no julgamento da ação civil disse isso. Entretanto, eu sempre acreditei na Justiça e continuo acreditando.
Foto Rafael Cusato
Foi difícil seu começo no jornalismo. Houve muito preconceito. Como você lidava com isso?

Sempre é difícil começar na carreira. A jovialidade, a insegurança, o frio na barriga. Quem nunca passou por isso? Na TV, comecei cedo, em 1980, aos 18 nos. Entrei na EPTV Ribeirão e não me lembro de ter enfrentado qualquer tipo de discriminação pelo fato de ser negro.
Na Globo sempre fui visto como uma promessa profissional. Aprendi lá dentro que a competência e o esforço falam mais alto. E assim deve ser.
Devo muito a profissionais do jornalismo que estão hoje na Globo e a tantos outros que passaram por nossas redações, O único caso de ressentimento, intolerância e pequenez que vivi na profissão foi este em evidência.
Esse indivíduo parece fazer parte do grupo que quer perpetuar a perseguição aos negros deste país. Fomos tratados como objeto por séculos e marginalizados após a escravidão. O padrão social em nosso país esteve sempre de costas para a África.
Daí a intolerância para com a nossa cor de pele, nossa feição e nosso cabelo. Só servíamos para o que eu passei a rotular de práticas músico-esportivo-servis. Portanto, ser jornalista, para esse grupo, é uma agressão, afinal, estou fora do "cercado estabelecido por eles". Nesta dimensão, a intolerância prospera e o preconceito é inevitável. Para superar a toda esta dura e revoltante realidade, procurei me agarrar a duas alternativas: trabalhar mais e estudar mais.
 O estudo me persegue até hoje, prova é a minha participação atual em grupos de estudo no Departamento de Direito da Universidade Brasília. Na minha redação da Globo Brasília tento manter o empenho de quando comecei na profissão. No ano passado, tive o privilégio de ser escalado para cobrir a Copa do Mundo da África do Sul. Pude voltar àquele país que aprendi a amar e que me marcou profundamente pelo que era e pelo que se propõe a ser.
Quando estive na África do Sul pela primeira vez, em 1991, o regime segregacionista do apartheid estava no fim, Nelson Mandela havia acabado de ser libertado. E eu, com colegas brancos na equipe de TV, andava em lugares que eles não poderiam entrar e vice-versa. Conhecemos a face mais brutal da agressão aos direitos humanos. Foi terrível. Décadas mais tarde, na Copa do Mundo, volto e encontro pessoas dispostas a superar o passado racista, numa aposta inclusive que é exemplo para o mundo. Fico muito tocado por esta possibilidade e tentado a pensar que temos, no Brasil, possibilidades ainda maiores de superar as intolerâncias e os preconceitos contra os descendentes de escravos. Afinal, temos uma só amálgama, não é mesmo? Quem, em sã consciência, é capaz de negar, como valores máximos de nossa cultura, o samba que nos deu a ginga, o gosto da nossa feijoada e a proteção de Nossa Senhora Aparecida?
Foto Divulgação Tv Globo/Sérgio Seiffert
"NOSSO DESAFIO É INSTITUIR OS DIREITOS HUMANOS COMO PANO DE FUNDO PARA A CONSTRUÇÃO DE UMA CIDADANIA ADULTA QUE, AO REFUTAR TODAS AS FORMAS DE RACISMO E DE INTOLERÂNCIA, POSSAM ADMITIR PRÁTICAS DE INCLUSÃO PARTICIPATIVAS CADA VEZ MAIS SIGNIFICATIVAS NUMA ESFERA PÚBLICA"
O que você acha das cotas e dos movimentos negros?

Sou francamente favorável às cotas, porém, respeito os que pensam em outro sentido. O aumento da participação do negro na esfera pública é um desafio que está colocado àqueles que pensam num projeto de nação para o Brasil. Sempre defendi este ponto de vista. Não sou propagandista de ocasião. Quem me convenceu sobre a necessidade de uma ferramenta para aumentar a representação de negros nos postos-chave da nossa sociedade foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
No intervalo de uma das viagens com o ex-presidente, quando eu cobria a rotina presidencial, falamos sobre o tema. Ele, em tom professoral, discorreu longamente sobre as políticas de inclusão que deveriam ter sido implementadas desde o Primeiro Império. Agora o Brasil mostrou amadurecimento para tal ação e fez das cotas uma realidade, com aprovação da sociedade. Precisamos, daqui para a frente, implementar práticas daí decorrentes. Penso sempre que é positiva uma medida que pode levar mais educação aos negros, e educação é tudo. É preciso, entretanto, fazer uma separação entre a defesa de cotas, que é ampla hoje em dia, e a necessidade de se incentivar todo movimento que tenha por objetivo acabar com o racismo.
Também neste aspecto devemos estar unidos, todos nós, cidadãos brancos e negros. Sou contra radicalismos, coisa que, sejamos justos, não vejo em certas organizações que se travestem de movimentos negros no rótulo e que não poderiam agir livremente para propagar ainda mais formas de intolerância revestidas em ódio.
O nosso desafio é instituir os direitos humanos como pano de fundo para a construção de uma cidadania adulta que, ao refutar todas as formas de racismo e de intolerância, possam admitir práticas de inclusão participativas cada vez mais significativas numa esfera pública com a qual todos nós sonhamos. Gostaria, para encerrar este episódio de discriminação que me envolveu, de lembrar figuras de expressão da intelectualidade brasileira como Sueli Carneiro.
 Ela diz que "um negro pode ser corrupto, se posicionar contra os interesses de sua gente. O que podemos fazer, diante disso, é lamentar e combatê-lo politicamente, jamais atribuir essa característica à sua condição racial. Aí mora o racismo, ao tentar encontrar a razão da "falha" na negritude da pessoa ou na suposta ausência dessa negritude em uma regra como propõe a frase, "negro de alma branca." Ana Maria Gonçalves quando se referiu a este episódio sintetizou:
"Paulo Henrique Amorim usou a cor de Heraldo Pereira para atacá-lo. É racismo e ponto. Tá na lei. Quem não concorda deve brigar para mudar a lei, e não para que Paulo Henrique Amorim esteja acima dela. Que o defendam porque o acham bom amigo, bom jornalista, bom ser humano; mas que entendam que pessoas assim também podem ter atitudes racistas."
Estou com as duas!

10 de abril de 2012

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