"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 10 de abril de 2012

HISTÓRIAS DO JORNALISTA SEBASTIÃO NERY

A verdade do Spínola

Quando o general Carlos Alberto Fontoura, chefe do SNI no governo Médici, foi indicado pelo presidente Geisel para a embaixada do Brasil em Portugal, em abril de 74, compareceu à Comissão de Relações Exteriores do Senado para a sabatina de praxe. Chegou com uma pasta gorda, preta e pesada, e perguntou aos senadores:
- Esta reunião é secreta mesmo?
- É, sim, general. Inteiramente reservada.
- Como os senhores sabem, sou um militar de informação e inteligência, comandei o SNI durante todo o governo passado. Tenho responsabilidades de governo e de Estado. Trago aqui, nesta pasta, um documento importante, que pode mudar a história de Portugal. Mas só posso mostrar se os senhores me garantirem sigilo completo. Porque é uma bomba.
Os senadores asseguraram inteiro sigilo e pediram para ver
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GENERAL SPINOLA

Carlos Alberto Fontoura abriu a gorda pasta preta :
- É um livro do general Antônio Spínola, o mais forte general português, contra as guerras na África e contra o governo de Marcelo Caetano. Foi o ex-governador Carlos Lacerda, que é amigo dele e chegou de Lisboa, quem me trouxe. Mas o livro ainda é secreto. Foi escrito em segredo e impresso fora de Portugal. O general espera a melhor hora de lançar, porque tem convicção de que, publicado, vai abalar os alicerces do governo português.
E mostrou o livro (“Portugal e o Futuro”) aos senadores, leu trechos. Previu a queda iminente do governo salazarista. No dia seguinte, o veterano jornalista Abdias Silva, suplente de Carlos Castello Branco no Jornal do Brasil, contou a história toda na Coluna do Castello.
O general Fontoura ficou uma fera, reclamou. A embaixada de Portugal em Brasília, indignada, chiou. E o Senado abriu inquérito para apurar quem tinha quebrado o sigilo da reunião.
Não precisou. Dias depois, em 25 de abril, Marcelo Caetano era preso, derrubado e embarcado exilado para o Brasil.

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ARQUIVOS SECRETOS

Sobre os arquivos secretos da ditadura, é só procurar no Exército, na Marinha, na Aeronáutica, entre os muitos líderes militares daqueles tempos, que estão por aí, já reformados mas ainda com perfeita memória e lucidez, algum Spínola nosso, e pedir para ele contar o que sabe, dar as pistas mal-guardadas e abrir os segredos de polichinelo.
Vai ver que não há papeis incinerados nem mistérios enterrados. Está tudo aí, nas gavetas e armários, porões e sótãos dos mesmos órgãos militares que sempre codificaram, decodificaram, armazenaram dados. A verdade nunca faz mal. Contada, lava e limpa tudo.
09 de abril de 2012

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