RIO - Jacinto
Benavente, espanhol, escritor, dramaturgo, foi à Argentina em 1922 e saiu de
trem visitando cidades do interior, com a atriz Lola Membrives. Quando chegaram
a Rufino, ela foi buscar sua correspondência na agencia dos Correios. Havia um
telegrama para Benavente. Contava que Benavente havia ganho o Premio Nobel de
Literatura. Lola comprou uma champanhe e foi acordar o escritor para
comemorarem.
Benavente
resolveu completar a excursão e só depois voltar para a Espanha. A noticia logo
se espalhou. Em cada cidade, a primeira pergunta era sobre o que ele, agora
famoso, achava da Argentina. Benavente não respondia.
Ninguem
perguntava por que ganhou o Nobel. Ele ficava
furioso.
BENAVENTE
Na hora de Benavente embarcar para a Europa, no porto,
quando já estavam retirando a escadinha do navio, as perguntas sobre a Argentina
eram ainda mais insistentes. O Premio Nobel não podia viajar sem dizer o que
tinha achado da Argentina e dos argentinos. Ele afinal disse
:
-“Formem a
outra única palavra possivel com as letras que fazem a palavra
“argentino”.
Deu adeus,
entrou no navio, sumiu lá para dentro e o navio partiu. Os repórteres logo
decifraram a charada. A outra única palavra que se pode formar com as letras de
“argentino” é “ignorante”.
AGUINIS
Quem a
conta essa historia não é nenhum inimigo. É um dos escritores mais lidos e
respeitados na Argentina, Marcus Aguinis,ex-ministro da
Cultura.
No fim de
2002, pouco antes da eleição de Kirchner, ele publicou um livro de muito
sucesso, “El Atroz Encanto de Ser Argentino”, cuja edição brasileira foi
prefaciada pelo então ministro Pedro Malan. (Livros anteriores dele: - “Carta
Esperanzada a um General”, “Um Pais de Novela”, “Elogio de la Culpa”). Na abertura do “Atroz Encanto”, Aguinis disse
:
- “Se
tivesse escrito este livro décadas atrás, teria sido condenado como inimigo da
Pátria. Meus compatriotas jamais me teriam perdoado. Hoje, é um livro que eles
lêem, recomendam e debatem. Este é um dado que, por si só, constitui uma
excelente noticia, porque demonstra que os argentinos começam a exercer a
autocrítica. Para que a autocrítica exista, é preciso antes eliminar a
arrogância. A Argentina encontra-se
mergulhada no sofrimento e chora como nunca ao ritmo de seu tango
erótico, descarnado e cruel”.
ARGENTINA
Na
introdução à edição brasileira, ainda em 2002, depois dos desastres dos governos
Menem e De la Rua e antes de Kirchner, Aguinis disse mais
:
1. - “Se
quiséssemos simplificar as diferenças entre Brasil e Argentina, entre
brasileiros e argentinos, poderiamos dizer que os primeiros se divertem ao ritmo
do samba e os segundos choram ao ritmo do tango. A alegria do Brasil contrasta
com a melancolia da Argentina”.
2. –
“Doem-nos a Argentina e seu povo. Por isso é atroz o nosso querer. Até apenas
meio século atrás, A Argentina figurava entre os dez paises mais ricos do mundo.
Agora, contudo, nossa Republica parece ter perdido o rumo. Pior ainda : está
arruinada, maltratada e à beira da agonia. Tem-se a sensação de que ela
escorregou para um labirinto onde reina a escuridão. Todo labirinto, não
obstante, tem uma saída. É preciso continuar
tentando”.
3. –
“Naqueles tempos, contrastavamos com nossa mentalidade e surgia uma diabolica
contradição. O comediante mexicano Cantinflas sintetizou-a numa frase brutal : -
“A Argentina é formada por milhões de habitantes que querem afunda-la mas não
conseguem”. Albert Einstein, quando nos visitou em 22, perguntou: -“Como é que
um pais tão desorganizado pode progredir”?
KIRCHNER
Poucos
meses depois desse livro valente, a Argentina reagiu e elegeu Kirchner, um quase desconhecido governador
saido lá das geleiras de sua Santa Cruz, nas bordas da Patagônia (“El
Pinguino”), com seus esbugalhados olhos vesgos de peixe morto e seu rosto
perplexo de foca encalhada.
Na campanha, em março de 2003, escrevi de lá que ele ia
ganhar por ser o único candidato que
mais claramente e vigorosamente denunciava as elites políticas e econômicas
argentinas vendidas ao sistema financeiro, que durante dez anos haviam
sustentado Menem e a entrega do pais à ladroagem internacional. A Argentina
votou em Kirchner contra os bancos e o FMI.
LULA
Com o pais há tres anos crescendo a quase 10%, Kirchner e
a Argentina desabafaram contra a traição
de Lula, que rasgou os compromissos da campanha e das alianças sulamericanas,
entregou-se ao jugo dos banqueiros internacionais, e, na hora da crise
argentina, negou-se a dar-lhes qualquer tipo de apoio, nem sequer formal, quando
da difícil e arriscada queda de braço em que, ao final, vitorioso, Kirchner
derrotou e humilhou o FMI.
Depois, os Estados Unidos acintosamente pagaram a Lula a
traição. Bush mandou sua pit-bull, a
Condolezza Rice, com sua peruca cor de graúna, ao Brasil, Chile e Colômbia,
pulando a Argentina. E até hoje o governo Lula, alienadamente, pergunta por que
Kirchner e a Argentina ficaram irados.
10 de abril de 2012
sebastião nery
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