O desvio do pedágio
Por um bom tempo, transportei o progresso pelo Brasil
afora. Foi meu ciclo de caminhoneiro independente. Ainda sinto saudade da
sensação de olhar de cima o chão dessa terra. Da boléia de um Volvo de grande
tonelagem, o buraco é mais embaixo. E o horizonte não fica assim tão colado ao
céu e à estrada.
Há façanhas incontáveis para contar. Mais que incontáveis, impublicáveis. Por isso não as conto. Não conto todas. Uma lá que outra, até me animo.
E para não ir mais longe - que o Diesel está mais caro que o tempo, vou tirar da minha carga pesada, apenas um singelo encontro que tive, num trevo estratégico no interior do Paraná, bem à margem daquilo que se conhece como a "rota do contrabando".
Aquele lugar, ermo, despovoado de moradores e viajantes, é um desvio alternativo para quem gosta de escapar dos pedágios. Muita gente já descobriu isso. E os guardas rodoviários, também.
Pois, naquele dia dei de cara com uma dupla de patrulheiros. Simpáticos, fala macia, gestos firmes e controlados, eles me fizeram parar:
- Bom dia, tá boa a viagem?
- Até aqui, tudo bem, meu mestre.
- Seus documentos...
- Pois não.
- Tudo em ordem. Mas, por favor, agora acione o freio traseiro... Isso, assim mesmo.
- OK. Tudo bem?
- Infelizmente, não. A sua lanterna esquerda não tá funcionando...
Nem contestei. Eu não teria como provar o contrário. Impossível para um motorista apertar no freio e verificar se o pisca-pisca está respondendo. Vi que a dupla tinha lido meu pensamento. Sua fala trazia um sorriso tão frio quanto simpático:
- Vamos ter que multá-lo.
- Tá bom, quanto é?
- Ora deixe disso. Essas coisas acontecem. Vá assim mesmo até à primeira oficina e mande arrumar isso aí.
- Muito obrigado, seu guarda...
- De nada, mas só pra gente fortalecer a amizade deixe aí uma coisinha qualquer para o lanche ali do meu parceiro...
Cara pra fora da janela da cabine, meti a mão no porta-luva, puxei uma nota solitária de R$ 20 e coloquei-a no bolso da camisa cáqui do patrulheiro:
- Tá bem assim?
O propineiro fazendo-se de simpático, me retrucou em tom de meia aprovação:
- Amigo, se você acha que tá bom assim... Então tá.
- Não, seu guarda, eu não acho que tá bom assim, não.
E enfiei dois dedos rapidos no seu bolso e retirei de lá as minhas vinte pratas. Nem lhe dei tempo para mais nada. Fiz o câmbio, engatei a primeira marcha e fui saíndo devagarinho:
- Brigado, amigo. Tenho ainda muito chão pela frente.
Estupefato ele se desarmou. E me deixou ir em paz. Parei na primeira oficina. Pedi para o mecânico olhar minha sinaleira traseira. Pisei no freio, enquanto o atendente verificava o sinal:
- Tudo em ordem, parceiro. Tá funcionando legal.
- Brigadão, amigo. Vou adiante que ainda tenho muito chão pela frente.
RODAPÉ - Na vida de caminhoneiro nem sempre você é atropelado por um veículo. Há sempre o risco de não conseguir desviar de um entulho de propina, de pedágio, ou coisa parecida.
10 de abril de 2012Há façanhas incontáveis para contar. Mais que incontáveis, impublicáveis. Por isso não as conto. Não conto todas. Uma lá que outra, até me animo.
E para não ir mais longe - que o Diesel está mais caro que o tempo, vou tirar da minha carga pesada, apenas um singelo encontro que tive, num trevo estratégico no interior do Paraná, bem à margem daquilo que se conhece como a "rota do contrabando".
Aquele lugar, ermo, despovoado de moradores e viajantes, é um desvio alternativo para quem gosta de escapar dos pedágios. Muita gente já descobriu isso. E os guardas rodoviários, também.
Pois, naquele dia dei de cara com uma dupla de patrulheiros. Simpáticos, fala macia, gestos firmes e controlados, eles me fizeram parar:
- Bom dia, tá boa a viagem?
- Até aqui, tudo bem, meu mestre.
- Seus documentos...
- Pois não.
- Tudo em ordem. Mas, por favor, agora acione o freio traseiro... Isso, assim mesmo.
- OK. Tudo bem?
- Infelizmente, não. A sua lanterna esquerda não tá funcionando...
Nem contestei. Eu não teria como provar o contrário. Impossível para um motorista apertar no freio e verificar se o pisca-pisca está respondendo. Vi que a dupla tinha lido meu pensamento. Sua fala trazia um sorriso tão frio quanto simpático:
- Vamos ter que multá-lo.
- Tá bom, quanto é?
- Ora deixe disso. Essas coisas acontecem. Vá assim mesmo até à primeira oficina e mande arrumar isso aí.
- Muito obrigado, seu guarda...
- De nada, mas só pra gente fortalecer a amizade deixe aí uma coisinha qualquer para o lanche ali do meu parceiro...
Cara pra fora da janela da cabine, meti a mão no porta-luva, puxei uma nota solitária de R$ 20 e coloquei-a no bolso da camisa cáqui do patrulheiro:
- Tá bem assim?
O propineiro fazendo-se de simpático, me retrucou em tom de meia aprovação:
- Amigo, se você acha que tá bom assim... Então tá.
- Não, seu guarda, eu não acho que tá bom assim, não.
E enfiei dois dedos rapidos no seu bolso e retirei de lá as minhas vinte pratas. Nem lhe dei tempo para mais nada. Fiz o câmbio, engatei a primeira marcha e fui saíndo devagarinho:
- Brigado, amigo. Tenho ainda muito chão pela frente.
Estupefato ele se desarmou. E me deixou ir em paz. Parei na primeira oficina. Pedi para o mecânico olhar minha sinaleira traseira. Pisei no freio, enquanto o atendente verificava o sinal:
- Tudo em ordem, parceiro. Tá funcionando legal.
- Brigadão, amigo. Vou adiante que ainda tenho muito chão pela frente.
RODAPÉ - Na vida de caminhoneiro nem sempre você é atropelado por um veículo. Há sempre o risco de não conseguir desviar de um entulho de propina, de pedágio, ou coisa parecida.
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