"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quinta-feira, 5 de abril de 2012

UM PESO, UMA MEDIDA

O foco era no ‘que’ foi dito, e não em ‘quem’ o disse

Não existe oposição liberal organizada no Brasil. Há uma clara hegemonia da esquerda entre os vários partidos.

Mas o DEM seria o mais próximo desta bandeira que prega menos intervenção estatal e mais liberdade econômica. E, dentro do DEM, o senador Demóstenes Torres tem sido uma das vozes mais firmes em defesa destes valores, assim como da ética.

Por isso é fundamental usar o escândalo envolvendo o senador e sua mais que suspeita amizade com um contraventor para marcar as diferenças entre a esquerda e os liberais, estes ainda sem representação política.

Quando os homens estão unidos por princípios claros, não há espaço para arbitrariedade. Os princípios servem como critério objetivo para julgar os atos. Em contrapartida, quando se trata de um grupo tribal, o seu membro será sempre tratado com complacência, enquanto os “de fora” serão duramente condenados.

O uso de dois pesos e duas medidas é característica comum a estes grupos, e vale tudo para salvar a pele do companheiro, por mais criminoso que tenha sido seu ato.

Aristóteles dizia que uma sociedade adequada é governada por leis, não por homens. Com isso ele queria dizer que devemos adotar um império de leis igualmente válidas para todos, em oposição ao poder arbitrário que aos amigos tudo dá, enquanto aos inimigos aplica o rigor das leis. Da mesma forma, uma associação adequada é unida por ideias, não por homens, e seus membros são leais às ideias, não ao grupo. A máfia, por exemplo, é o oposto de tal associação, pois seus membros devem lealdade aos demais membros, e não a valores objetivos.

Com esta distinção em mente, fica claro que boa parte da esquerda sempre adotou postura tribal ou mesmo mafiosa. Seus membros são tratados como “especiais”, detentores de um salvo-conduto para “malfeitos”.

O que falta em nossa política é um partido que rejeite esta visão predominante de que o governo é uma espécie de deus clarividente capaz de gerar progresso por decreto.

Os fins “nobres” sempre justificam os meios obscuros, e os crimes perpetrados por seus líderes nunca são crimes, ao contrário daqueles realizados pela oposição. São sempre dois pesos diferentes, para se obter duas medidas diametralmente opostas.

Foi assim que um assassino frio e cruel como Che Guevara chegou a se tornar herói, ou a mais longa e opressora ditadura do continente até hoje é defendida. Abro um parêntese para lembrar que tanto Mussolini como Hitler, apesar de tratados como os monstros que eram, porque são vistos como de “direita”, eram na verdade coletivistas antiliberais que nasceram na esquerda socialista e sempre condenaram o capitalismo.

Fecho o parêntese.

É com base na mesma lealdade mafiosa que alguns petistas sempre partem para a acusação de uma fantasiosa “mídia golpista” quando escândalos envolvendo seus aliados vêm à tona. Curiosamente, eles logo esquecem esta imprensa “golpista” quando o escândalo envolve a oposição. Dois pesos e duas medidas, a marca registrada da nossa esquerda. Para eles, o camarada não é um “homem comum”, mas sim alguém acima das leis. Não se importam com “o que” acontece, mas sim com “quem” acontece.

Os liberais não aceitam esta postura.

No final de 2011, escrevi para a revista “Época” algumas palavras em homenagem justamente a Demóstenes Torres. Não conheço o senador pessoalmente, mas acompanhei suas lutas no Senado. Esteve quase sempre do lado que julgo correto.

Condenou as cotas racistas, denunciou a doutrinação ideológica pelos órgãos estatais, pregou maior rigor penal para combater a criminalidade, atacou sempre o desvio de recursos públicos e defendeu a urgência de um partido que tenha a economia de mercado e sólidos valores morais como plataforma.

Não poderia concordar mais! O que falta em nossa política é um partido que rejeite esta visão predominante de que o governo é uma espécie de deus clarividente capaz de gerar progresso por decreto. Países com mais intervencionismo estatal invariavelmente acabam com menos riqueza e liberdade.

E nada mais absurdo do que combater o racismo com segregação racial.

Logo, Demóstenes mereceu cada elogio que fiz. Afinal, eu focava no “que” foi dito, e não em “quem” o disse. Da mesma forma, agora que gravações comprometedoras vieram a público, enorme decepção à parte, continuo focando no “que” mostram os fatos, não sobre “quem” eles recaem. Defendo uma investigação minuciosa e, se for o caso, a severa punição do senador. Sob meu ponto de vista, ele é apenas um homem comum, um indivíduo como qualquer outro, que deve respeitar as mesmas leis.

Infelizmente, isso é algo que a esquerda em geral e os petistas em particular parecem nunca compreender: a importância de se ter apenas um peso, e uma medida.

05 de abril de 2012
Rodrigo Constantino
Fonte: O Globo

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