Ucho Haddad
Mãe de jornalista político é como mãe de juiz de futebol. Sempre lembrada por quem não deve e de forma não muito elegante. Para viver como tal precisa se acostumar com a porção saco de pancada de pugilista, pois os inimigos são implacáveis, nocauteantes. Tem de aprender a ignorar as ofensas à própria honra, muitas vezes arremessada à vala da injúria. Eis o mistério da maternidade quando uma mulher lança ao mundo um jornalista.
Em um país tomado pela corrupção, escrever a verdade e apontar o dedo a quem de direito é permitir o achincalhe daquela que pariu. É assim que me sinto, é assim que vivo. Já não me incomodo com esses açoites covardes e chicaneiros, pois sei da honradez da minha mãe. Mas de igual modo sei que é injusto.
Se até aqui cheguei, parte desse tortuoso caminho foi vencida graças à minha mãe. Presente esteve, sem ser chamada, nas curvas mais fechadas, nas descidas mais íngremes, nas subidas mais penosas. No terreno escorregadio foi meu freio de mão. Na reta, o combustível da esperança, a lição do começar de novo.
Essencialmente perseverante, minha mãe parece tomada pela essência de Fênix. Renasce das cinzas com destreza e coragem invejáveis. Mescla solicitude com humildade com a mesma competência e determinação com que mergulha nos mares da gastronomia, sua grande paixão. Sua melhor receita é não desistir. Faz isso com os condimentos que colheu nas hortas nem sempre agradáveis da vida.
Em inúmeras ocasiões recebeu telefonemas avisando que me matariam, apenas porque mexera com os donos do poder, porque escrevera o que muitos não gostariam de ler ou ver revelado. A esses covardes profissionais minha mãe sempre disse que era preciso paciência, afinal a fila era grande. A fila diminuiu um pouco, é verdade, mas continua lá, repleta de malandros facinorosos. Desligado o telefone, a reza sempre foi sua companheira. Assim agiu quando fui obrigado a abandonar a tudo e a todos para escapar da morte. Metade da minha mãe, naquele período, foi uma força me colocando na rota da certeza, mesmo que à distância. Outra metade foi oração, fé, religião.
Foi corajosa ao enfrentar os agentes da ditadura para proteger a família que, reclusa e com a massa cinzenta, protestava contra o sistema. Comportamento idêntico teve quando me tolheram a liberdade. Altiva e perseverante foi ao não permitir que a desistência se aproximasse de mim. Ao meu lado, dias depois, comemorou a liberdade. Durante uma CPI foi levada da porta de casa, como se moeda de troca fosse.
Tentaram calar-me com seu sumiço. De volta ao lar, disse-me, por telefone, que eu deveria continuar no caminho escolhido. Que jamais poderia me intimidar ou desistir da missão que escolhi para a vida. A de ajudar a passar o Brasil a limpo. Manteve a calma quando viu pela televisão um parlamentar me dar voz de prisão durante outra CPI, pois nesse Brasil de meu Deus é crime ter documentos contra oportunistas que se espalham pelas entranhas do poder.
A convivência tornou-a politizada. Passou a se inteirar dos assuntos da política com mais afinco, pois assim poderia conversar com o filho que fez do ofício o seu próprio ópio. Aproximando-se dos 80, hoje não se acanha ao disparar palavras duras na direção de políticos indecentes, a quem dispensas palavras distintas das que recebe de meus inimigos.
A ela não importa que a reverberação da sua indignação não chegue ao destinatário. Seu objetivo é externar o que pensa e sente. Cubro-me de orgulho ao vê-la fazendo isso e dessa forma, porque mostra que ainda está viva, muito viva e ativa.
Do medo que tinha em relação à minha profissão, ela passou a me cobrar ações em busca de soluções coletivas. De um político gatuno a um repentino buraco na calçada, tudo é motivo para que ela me cobre um texto contra os governantes. Nesses momentos ela deixa de lado o papel de mãe e passa a atuar como pauteira.
A dureza com que me criou foi a senha para que pudesse seguir a estrada escolhida. As pílulas de fé que disseminou pelo caminho me deram força para avançar. Soube respeitar e interagir com o meu silêncio, sempre reflexivo e contemplativo. Enfim, soube ser mãe, algo que ainda o faz com competência e energia.
Muitos a desonram sem conhecê-la. Fazem porque são pegos em flagrante, porque não sabem separar uma coisa da outra, porque são covardes recorrentes. Se cada um desses que balbuciam ofensas em sua direção tivessem uma Zuza na vida, certamente não estariam nos subterrâneos da existência.
Assim é não apenas a mulher que me trouxe à luz, mas a fonte onde recarrego a minha obstinação. E hoje, como nos outros 364 dias do ano, cá estou a lhe aplaudir e agradecer. Muito obrigado por tudo, por cada incentivo, por cada lágrima, por cada reza, por cada aflição, por cada segundo. Muito obrigado sempre, muito obrigado por você. Muito obrigado!
13 de maio de 2012
ucho.info
Mãe de jornalista político é como mãe de juiz de futebol. Sempre lembrada por quem não deve e de forma não muito elegante. Para viver como tal precisa se acostumar com a porção saco de pancada de pugilista, pois os inimigos são implacáveis, nocauteantes. Tem de aprender a ignorar as ofensas à própria honra, muitas vezes arremessada à vala da injúria. Eis o mistério da maternidade quando uma mulher lança ao mundo um jornalista.
Em um país tomado pela corrupção, escrever a verdade e apontar o dedo a quem de direito é permitir o achincalhe daquela que pariu. É assim que me sinto, é assim que vivo. Já não me incomodo com esses açoites covardes e chicaneiros, pois sei da honradez da minha mãe. Mas de igual modo sei que é injusto.
Se até aqui cheguei, parte desse tortuoso caminho foi vencida graças à minha mãe. Presente esteve, sem ser chamada, nas curvas mais fechadas, nas descidas mais íngremes, nas subidas mais penosas. No terreno escorregadio foi meu freio de mão. Na reta, o combustível da esperança, a lição do começar de novo.
Essencialmente perseverante, minha mãe parece tomada pela essência de Fênix. Renasce das cinzas com destreza e coragem invejáveis. Mescla solicitude com humildade com a mesma competência e determinação com que mergulha nos mares da gastronomia, sua grande paixão. Sua melhor receita é não desistir. Faz isso com os condimentos que colheu nas hortas nem sempre agradáveis da vida.
Em inúmeras ocasiões recebeu telefonemas avisando que me matariam, apenas porque mexera com os donos do poder, porque escrevera o que muitos não gostariam de ler ou ver revelado. A esses covardes profissionais minha mãe sempre disse que era preciso paciência, afinal a fila era grande. A fila diminuiu um pouco, é verdade, mas continua lá, repleta de malandros facinorosos. Desligado o telefone, a reza sempre foi sua companheira. Assim agiu quando fui obrigado a abandonar a tudo e a todos para escapar da morte. Metade da minha mãe, naquele período, foi uma força me colocando na rota da certeza, mesmo que à distância. Outra metade foi oração, fé, religião.
Foi corajosa ao enfrentar os agentes da ditadura para proteger a família que, reclusa e com a massa cinzenta, protestava contra o sistema. Comportamento idêntico teve quando me tolheram a liberdade. Altiva e perseverante foi ao não permitir que a desistência se aproximasse de mim. Ao meu lado, dias depois, comemorou a liberdade. Durante uma CPI foi levada da porta de casa, como se moeda de troca fosse.
Tentaram calar-me com seu sumiço. De volta ao lar, disse-me, por telefone, que eu deveria continuar no caminho escolhido. Que jamais poderia me intimidar ou desistir da missão que escolhi para a vida. A de ajudar a passar o Brasil a limpo. Manteve a calma quando viu pela televisão um parlamentar me dar voz de prisão durante outra CPI, pois nesse Brasil de meu Deus é crime ter documentos contra oportunistas que se espalham pelas entranhas do poder.
A convivência tornou-a politizada. Passou a se inteirar dos assuntos da política com mais afinco, pois assim poderia conversar com o filho que fez do ofício o seu próprio ópio. Aproximando-se dos 80, hoje não se acanha ao disparar palavras duras na direção de políticos indecentes, a quem dispensas palavras distintas das que recebe de meus inimigos.
A ela não importa que a reverberação da sua indignação não chegue ao destinatário. Seu objetivo é externar o que pensa e sente. Cubro-me de orgulho ao vê-la fazendo isso e dessa forma, porque mostra que ainda está viva, muito viva e ativa.
Do medo que tinha em relação à minha profissão, ela passou a me cobrar ações em busca de soluções coletivas. De um político gatuno a um repentino buraco na calçada, tudo é motivo para que ela me cobre um texto contra os governantes. Nesses momentos ela deixa de lado o papel de mãe e passa a atuar como pauteira.
A dureza com que me criou foi a senha para que pudesse seguir a estrada escolhida. As pílulas de fé que disseminou pelo caminho me deram força para avançar. Soube respeitar e interagir com o meu silêncio, sempre reflexivo e contemplativo. Enfim, soube ser mãe, algo que ainda o faz com competência e energia.
Muitos a desonram sem conhecê-la. Fazem porque são pegos em flagrante, porque não sabem separar uma coisa da outra, porque são covardes recorrentes. Se cada um desses que balbuciam ofensas em sua direção tivessem uma Zuza na vida, certamente não estariam nos subterrâneos da existência.
Assim é não apenas a mulher que me trouxe à luz, mas a fonte onde recarrego a minha obstinação. E hoje, como nos outros 364 dias do ano, cá estou a lhe aplaudir e agradecer. Muito obrigado por tudo, por cada incentivo, por cada lágrima, por cada reza, por cada aflição, por cada segundo. Muito obrigado sempre, muito obrigado por você. Muito obrigado!
13 de maio de 2012
ucho.info
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