Segundo a mesma fonte, o ex-presidente, que já tomara a iniciativa de promover a reunião, dirigindo-se ao ministro do STF, Gilmar Mendes, com uma finura de dar ciúmes ao Itamaraty, sustentou sem meias palavras a inconveniência de realizarem-se as eleições municipais antes do julgamento do processo criminal conhecido como mensalão. Não é preciso dizer que a liberdade que se autoconsentiu o ex-presidente chocaria um frade de pedra. Como é sabido, há coisas que podem ser pedidas a um juiz e há coisas que não podem, em caso algum, ser objeto de um pedido a um magistrado. Dir-se-á que o ex-presidente não tem formação jurídica, mas é um ex-presidente e isto bastaria para que ele, como qualquer pessoa sabe, que há coisa que um ex-presidente não pode fazer. O decoro inerente a quem exerceu o mais alto cargo da nação inibe certas liberdades que qualquer pessoa, mesmo a mais modesta, em sã consciência sabe, que não pode praticar.
Mas o que aumenta de maneira formidável a indecência da proposição é que a indecorosidade foi ainda mais longe, na medida em que o mesmo ex-titular da Presidência da República se permitiu anunciar ao ministro Gilmar Mendes que tinha o “controle” sobre a CPI, recém criada pelo Congresso, e que teria condições de “blindar” a pessoa do ministro aludindo a viagem que fizera a Berlim com a participação suspeita do esquema contraventor que hoje ocupa a mídia nacional. O ministro que teria sido alvejado diretamente pelo ex-presidente, sempre pela mesma fonte, replicou que ia a Berlim como o seu generoso e solícito protetor ia a São Bernardo, e que fizera a viagem, custeada com recursos seus como poderia demonstrar e veio fazê-lo, até porque em Berlim reside uma filha.
O decoro inerente a quem exerceu o mais alto cargo da nação inibe certas liberdades que qualquer pessoa sabe que não pode praticar
Mas o que me parece particularmente sugestivo é que ambas as personalidades não disseram uma palavra do que fora tratado na reunião de 26 de abril. Afinal de contas, dada a eminência de seus participantes, não é de admitir-se que houvessem se reunido para uma rodada de canastra, tratar da escalação da Seleção Brasileira ou dos desafios da Copa. Já que a proposta indecente, confirmada pelo ministro Gilmar Mendes, não mereceu a confirmação dos outros convivas do encontro, não estariam eles na contingência de levar ao conhecimento da nação a sua versão do que lá foi tratado?
Paulo Brossard
06 de junho de 2012
Fonte: Zero Hora
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