"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 6 de junho de 2012

O PROJETO EUROPEU SOBREVIVERÁ À SUA NATURAL CONTRADIÇÃO?

A integração econômica no século XIX foi o subproduto do Estado limitado, enquanto que a União Européia foi construída nos anos que testemunharam a dominação do Estado todo-poderoso.

A União Européia sobreviverá? Com François Hollande como novo presidente da França, e os gregos que votaram esmagadoramente em partidos extremistas – de verdadeiros comunistas e autênticos nazistas – todo o projeto europeu está em questão. Os frutos da crise européia se fazem sentir de forma cada vez mais amarga.

Quanto mais o tempo passa, mais fica claro que o sonho de unificar a Europa foi baseado em uma ambigüidade: a Europa deveria ser um ambiente econômico integrado, ou uma versão grande de uma Nação-Estado?

Em outras palavras, a União Européia deveria ser modelada na Suíça, uma confederação em que os cantões têm um alto grau de autonomia, ou na França, o Estado centralizado por excelência?

A integração econômica da Europa depois da Segunda Guerra Mundial foi considerada como um meio de evitar novos conflitos entre os Estados europeus. A Europa tinha sido economicamente integrada antes. Entre 1814 e 1914, o continente pode apreciar o livre comércio e a prosperidade. O crescimento do nacionalismo na primeira metade do século XX pôs um fim a esta idade de ouro.

Em 1958, o economista alemão Wilhelm Röpke, fervoroso defensor do livre comércio e além do mais um inspirador das reformas econômicas que abriram caminho ao milagre alemão do pós-guerra, se mostrou, desde o começo, cético quanto ao sucesso da tentativa de reintegrar a Europa economicamente.


Esquizofrenia

 Já então, em 1958, Röpke podia observar que a integração econômica no século 19 não era puramente “regional”. Ela era “indissoluvelmente ligada à integração econômica do mundo inteiro.” O livre comércio não era considerado como benéfico exclusivamente dentro das fronteiras da Europa.

Mas depois da Segunda Guerra Mundial, a Comunidade Econômica Européia foi criada como uma união aduaneira com livre comércio interno, e as tarifas sobre as importações dos Estados do resto do mundo. Tal “bloco aduaneiro” permitiu o livre comércio entre seus membros, mas apenas até certo ponto. Os mercados de serviços não são totalmente integrados, e o mesmo se aplica ao mercado de trabalho.

Ainda hoje, os serviços representam 70% do PIB europeu, mas apenas 20% do comércio no mercado interno. As tentativas de liberar a circulação de serviços têm sido praticamente interrompidas pelos sindicatos, como foi o caso em 2005.

Quando a Europa esteve economicamente integrada no século XIX, as despesas públicas eram limitadas e a livre circulação dos trabalhadores era facilitada pela quase inexistência de um sistema de direitos sociais. A integração econômica no século XIX foi o subproduto do Estado limitado, enquanto que a União Européia foi construída nos anos que testemunharam a dominação do Estado todo-poderoso.

Tal é a contradição sob a qual foi construído o projeto europeu: a escolha entre livre comércio, mas com políticas que têm aumentado o tamanho do Estado e... reduzido as possibilidades de livre comércio. As elites européias querem ao mesmo tempo uma zona de comércio comum e uma moeda comum, a fim de diminuir a probabilidade de guerras comerciais, consideradas com razão como antecipando inevitavelmente as guerras reais.

Mas enquanto que os Estados têm se comprometido a renunciar a medidas protecionistas nacionais uns contra os outros, a regulamentação nacional e européia têm se multiplicado. Assim, a Europa desenvolveu uma espécie de esquizofrenia: as Nações-Estados estão comprometidas com o livre comércio entre si, mas não renunciam às suas políticas intervencionistas dentro de suas respectivas fronteiras e suas políticas protecionistas em relação ao exterior.

O modelo italiano


 A vitória eleitoral de François Hollande na França forçará os outros dirigentes europeus a cessarem a dissimulação. O novo presidente francês não gosta de austeridade nas finanças públicas. E ele não vê valor em uma moeda saudável e em políticas antiinflacionárias. Ele forçará os europeus a escolher: eles querem se integrar economicamente ou eles querem se integrar politicamente?

A primeira opção deveria se basear numa moeda saudável, no livre-comércio e na liberdade de circulação das pessoas. A segunda opção pode facilmente se basear em políticas altamente inflacionárias, uma forte regulamentação, mercados de trabalho fragmentados com algumas normas mínimas impostas desde cima.

Se olharmos para a história da Europa, o euro e o mercado comum pareciam implicar que a Europa estava seguindo o modelo suíço: a integração econômica e o pluralismo de “governo”. Isso é o que era essencialmente a Europa antes da Grande Guerra.

As outras características dos projetos europeus (subsídios agrícolas, uma super-regulamentação do mercado de serviços, uma super-regulamentação de alguns pequenos detalhes da vida econômica como o tamanho das alcachofras) anteciparam a construção de um modelo ampliado da França, sob a bandeira européia.

Sem dúvida, o nacionalismo modelado à escala européia é exatamente com o que os líderes europeus sonham. Mas é ele economicamente viável?

Os eleitores sentem que o sonho europeu pode se tornar um pesadelo. A Europa unificada pode acabar não sendo nem a Suíça nem a França, mas a Itália: um Estado fortemente centralizado com extremos contrastes econômicos entre o norte e o sul, e um sistema de transferência que tenta em vão equiparar os dois.

Para uma classe dirigente que acredita que a unificação européia é em si mesma um objetivo, este poderia ser um preço pequeno a pagar. Mas os eleitores europeus estarão de acordo?

06 de junho de 2012
Alberto Mingardi é diretor geral do Instituto Bruno Leoni, de Milão.
Publicado no site Un Monde Libre.
Tradução: Jorge Nobre

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