Por traz de todos os mensalões, de todas as construtoras deltas, de todos os fernandos cavendishes, marcos valérios e carlinhos cachoeiras, além do Zé Dirceu da hora e dos caciques que, rebolantes, rodam as suas bolsinhas em volta dele nas vésperas de eleições, está a verdadeira moeda nacional, por cuja cotação todas as outras se baseiam, que é o minuto de televisão no "horário eleitoral gratuito".
É o acumulo de minutos de exposição na televisão que vai decidir, neste país onde 38% dos universitários não conseguem ler e entender uma frase que exceda o limite do elementar escrita em português, segundo medição publicada esta semana, que vai decidir quem vai conquistar, na próxima eleição, o direito vitalício de ignorar toda e qualquer lei daí por diante e de vir ao seu rabo sem pedir licença pelos próximos quatro anos para se locupletar das moedas de menor valor, como o real que você e eu usamos, necessárias para comprar mais e mais minutos de televisão daí por diante, a cada nova eleição.
Para entrar nesse jogo não é necessário cacife inicial nenhum. Basta estômago.
Primeiro, forma-se um partido político. É facílimo. Junte 101 "correligionários" com domicílio eleitoral em, no mínimo, 9 estados (Brasília vale). Onze gatos pingados em cada estado bastam. Escolha nome e escreva um "programa" e um "estatuto". Não precisa ser em bom português nem ter significado algum. Eleja-se, você mesmo, presidente da agremiação.
Consiga assinaturas de "apoiamento" de 1/1000 do numero de eleitores que votaram na última eleição em 9 estados. Não precisam ser os mesmos dos "fundadores". Esse numero pode variar de 199 num estado como Roraima a 2.680 num estado como São Paulo (veja a regra e a tabela completa aqui).
Se você for um sujeito de senso prático como se requer dos políticos brasileiros, vá logo pelos 9 estados de menor eleitorado. Isso reduzirá o total de assinaturas requeridas a 7.641, considerada a última eleição.
Registre tudo no cartório.
Pronto! Você está no jogo!
Só por entrar nele, mesmo que seu partido não eleja ninguém - ainda que não angarie um único voto - você fará jus ao cacife inicial de 20''68 (20 segundos e 68 centésimos ou 2068 centésimos de segundo) na próxima eleição para mostrar na TV a sua cara ou a de quem você indicar entre os seus "correligionários", por conta dos próprios imbecis a quem você irá pedir votos.
E isso ninguém te tira mais!
Para a eleição deste ano a regra (aqui) diz:
"A propaganda eleitoral em redes de rádio e televisão será veiculada no período de 21 de agosto a 4 de outubro em dois períodos diários de 30 minutos cada, exceto aos domingos, sendo:
I) as segundas, quartas e sextas para a eleição de prefeito e vice-prefeito;
II) às terças, quintas e sábados para a eleição de vereador (...) ao longo da programação das emissoras entre as 8 e as 24 horas".
A distribuição do tempo é assim:
"a) um terço do tempo é dividido igualitariamente entre os partidos e coligações que tenham candidato e representação na Câmara dos Deputados";
"b) dois terços proporcionalmente ao numero de representantes na Câmara dos Deputados, considerado, no caso de coligação, o resultado da soma do numero de representantes de todos os partidos políticos que a integram".
É nesses termos precisos que vem o convite à putaria. Este vago e inocente "e representação" é por onde entram os kassabs da vida comprando candidatos eleitos de segunda mão em permanente liquidação nas demais agremiações nesta nossa fantástica democracia onde deter representação política é fato que prescinde da anuência ou sequer da existência de representados.
Mas vamos ao que interessa, que é como se estabelece o preço do michê.
Até o momento em que se contavam 29 partidos concorrendo à próxima eleição, o terço do tempo total dividido por esse número resultava, como já vimos, em 20"68.
Os dois terços restantes são então, finalmente, atribuídos a cada representante alguma vez eleito, independentemente dele estar ou não traindo o seu representado. Na atual legislatura, essa propriedade pessoal e inalienável deles, passível de ser vendida a qualquer partido ou candidato majoritário, monta a 2''33 ou, em letra corrente, 2 segundos e 33 centésimos ou 233 centésimos de segundo.
Dessa regra do jogo decorre que as nossas "prévias eleitorais" não têm prazo para começar e rolam dentro dos novos e dos velhos partidos instantâneos que brotam do chão feito cogumelos graças à fórmula já descrita lá em cima, com o caciquezinho de cada um deles ouvindo as ofertas dos que tentam seduzi-los a lhes conceder uma migalha daqueles 2068 centésimos de segundo do cacife inicial escolhendo-os como os candidatos da agremiação a mostrar a cara na TV na propaganda eleitoral "gratuita" das terças, quintas e sábados.
Já o primeiro turno que realmente interessa diz respeito à disputa entre os partidos pelos proprietários individuais desses cacifes de 233 centésimos de segundos já alguma vez eleitos. Aquilo que nós, otários, conhecemos como "o troca, troca".
E o segundo turno que realmente conta, à disputa entre os candidatos às eleições majoritárias dos dois partidos com alguma chance de vencer pelas 27 agremiações restantes resultantes desse "troca, troca", para a formação das "coligações" que lhes garantirão o maior tempo de exposição nas aparições das segundas, quartas e sextas.
De modo que quando nós, os otários, somos chamados a nos manifestar o jogo já está feito, cabendo-nos definir apenas e tão somente a quem caberá executar como "CEO" ou como "funcionário" tudo que foi previamente contratado.
A cada passo, a soma de minutos vendida vai sendo trocada por postos privilegiados de tocaia junto aos grandes dutos de provimento de saúde e segurança públicas, saneamento, infraestrutura e educação do governo a ser formado, que é por onde correrá o dinheiro grosso que deveria mover as engrenagens da economia e servir à causa da emancipação da sociedade brasileira.
Compram poder semeando miséria porque só o desespero e a ignorância, especialmente a desses universitários semi-analfabetos que fecham os olhos à regra viciada enquanto levam apaixonadamente à sério os lances do jogo obrigatoriamente sujo que ela produz, podem manter um povo cego a esquema tão primário.
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