"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 21 de julho de 2012

32,5 MILHÕES DE BRASILEIROS SÃO ANALFABETOS FUNCIONAIS

232 bombas atômicas

Pesquisa divulgada na semana passada pela ONG Ação Educativa, em colaboração com o Instituto Paulo Montenegro, ligado ao Ibope, indica que 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais.
Isso significa que, se quatro brasileiros, cada um com um manual de sobrevivência na mão, têm cinco minutos para lê-lo, num barco que está afundando, um deles morrerá. A pesquisa toma por base os 130 milhões de brasileiros com idade acima de 15 anos.
Caso todos eles se encontrassem na mesma situação, num superbarco, 32,5 milhões morreriam. O cataclismo é de proporções cósmicas. Seriam necessárias 232 bombas atômicas como as que caíram sobre Hiroshima, onde morreram 140.000 pessoas, para chegar a esse total.
O leitor, que é esperto, e tem a sorte de desde a adolescência ter escapado do clube dos analfabetos funcionais, sabe que o superbarco da imagem acima é o Brasil, e o “morrer” não é morrer de verdade, mas ser desclassificado para trabalhos que exijam o domínio de textos e de cálculos com média complexidade.
O resultado continua sendo catastrófico: 32,5 milhões de brasileiros estão de saída desclassificados. O barco Brasil carrega quase dois Chiles de despreparados para tarefas acima de rudimentares.
A ONG Ação Educativa e o Instituto Paulo Montenegro começaram em 2001 a pesquisar o que chamam de Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf). De lá até agora, o índice de analfabetismo puro e simples caiu pela metade no país – de 12% para 6%. O de Analfabetismo funcional também caiu – de 39% para 27%.
Nem por isso os índices são satisfatórios e, em alguns detalhes, a pesquisa revela um quadro ainda mais cruel.
Afora o analfabetismo puro e simples, o Inaf considera três níveis de alfabetização: a rudimentar, a básica e a plena. A rudimentar é a que permite ler um anúncio e operar com pequenas quantias; a básica, a que possibilita ler textos mais longos e vencer operações como as que envolvem proporções; a plena, a que contempla os níveis mais altos de análise de textos e de operações matemáticas.
Da soma dos alfabetizados básicos e plenos resulta o total dos alfabetizados funcionais. Eles são 73% hoje, contra 61% em 2001. Mas, considerados só os alfabetizados plenos, o total não se moveu: eram 26% em 2001 e continuam 26%.
Também é desanimadora a constatação de que, mesmo entre os portadores de diploma universitário, há carências na alfabetização. Trinta e oito por cento deles não alcançam o nível de alfabetização plena. Tal constatação põe por terra o argumento de que o mar de faculdades mambembes espalhado pelo país cumpriria ao menos o papel de suprir as deficiências escolares anteriores do aluno.
A presidente Dilma Rousseff disse outro dia, rodeada pelas crianças que participavam da Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, que não é pelo PIB que um país deve ser julgado, mas pela capacidade “de proteger o seu presente e o seu futuro, que são suas crianças e seus adolescentes”.
Foi criticada por vários motivos: porque sem um PIB robusto não há como cuidar bem das crianças; porque suas palavras embutiam a falácia de que o país cuida bem das crianças; porque fez a declaração no mesmo dia em que o Banco Central divulgava mais uma das hoje habituais más notícias quanto à saúde da economia.
As críticas eram justas. Se o PIB anda mal, vamos mudar de assunto – eis o convite com que acenava a presidente. Mas o fato de ela invocar o PIB quando falava de crianças tem a virtude de ressaltar a desproporção da atenção dispensada no país a um e outro.
Os respiros do PIB são acompanhados milimetricamente. Uma notícia negativa, como o recuou de 0,02% em maio em relação a abril, como anunciava o Banco Central naquele dia, provoca a mobilização do ministro da Fazenda.
Já as más notícias na educação, que em última análise é o que mais importa, quando se fala em crianças e adolescentes, não produzem o mesmo efeito. Não há sinal de que o ministro da Educação tenha se abalado com a divulgação da pesquisa sobre o analfabetismo.
Aliás, onde está o ministro da Educação?
Não só o atual, mas seus antecessores, a não ser quando são candidatos a alguma coisa, onde se enfiam? Os ministros da Fazendo, o atual como os antecessores, estão sempre em todas.
Para fazer justiça, o problema não é só o ministro da Educação. Também não é só o governo. A sociedade mostra interesse igualmente apenas relativo pela catástrofe das 232 bombas de Hiroshima sobre a educação brasileira.
As gerações perdidas vão se acumulando umas sobre as outras, num barco Brasil que mal e mal se equilibra, com tanta gente despreparada para decifrar o manual de sobrevivência.
21 de julho de 2012
Roberto Pompeu de Toledo – Veja

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