Em primeiro lugar, deve ficar claro que o PNE é somente uma carta de intenções. Nada garante que as metas serão efetivamente atingidas. Basta verificar o que aconteceu com as metas do PNE anterior (aprovado em 2000). O plano previa, por exemplo, que 50% das crianças de 0 a 3 anos de idade seriam atendidas em creches em 2010. Os últimos dados disponíveis mostram que apenas 19% das crianças brasileiras nessa idade estão em creches. Mas, nada irá acontecer com os municípios que não cumpriram a meta. O mesmo aconteceu com praticamente todas as outras metas do plano anterior.
Vale notar também que, apesar de ser apenas uma carta de intenções, algumas das metas do plano anterior, aprovado pelo Congresso, foram vetadas pelo então presidente, Fernando Henrique Cardoso. Entre elas estava justamente o aumento progressivo dos gastos com educação para 7% do PIB em 2010. O argumento utilizado foi o de que a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) impedia que fossem colocados em lei programas que implicassem novas despesas sem as respectivas indicações das receitas. Como a LRF continua em vigor, espera-se que o Senado ou a presidente Dilma também retirem essa meta do plano.
Além disso, pelo menos três fatores não foram levados em conta pelos formuladores das metas do PNE: a virada demográfica, a distribuição de recursos entre os níveis de ensino e a relação entre gastos e qualidade da educação. Com relação ao primeiro ponto, sabe-se que a taxa de fecundidade está declinando rapidamente no Brasil, tendo passado de seis filhos por mulher em 1970 para apenas 1,8 em 2010, abaixo da taxa de reposição da nossa população.
Isso significa que o número de crianças em idade escolar irá diminuir continuamente nas próximas décadas. As projeções do IBGE indicam, por exemplo, que o número de brasileiros de 5 a 19 anos de idade passará de 50 milhões em 2010 para 38 milhões em 2030, ou seja, uma redução de 25% em apenas 20 anos.
Quais serão os efeitos dessa virada demográfica para os gastos com educação? Atualmente o gasto direto com educação equivale a 5,1% do PIB, ou seja, R$ 187 bilhões, em valores de 2010. Desse total, 85% são gastos com educação básica, o que significa que cada aluno do ensino básico recebe um investimento médio de R$ 4 mil, equivalente a 20% do nosso PIB per capita. Países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) gastam em média 26% do seu PIB per capita com educação básica; a Coreia, 30%; o Chile, 18%; e o México, 15%.
Uma das saídas seria redistribuir recursos do ensino superior para o ensino básico, em especial o infantil
Se, além da virada demográfica, os gastos com educação aumentassem para 8% do PIB, as despesas por aluno aumentariam para R$ 9 mil já em 2020, atingindo 33% do PIB per capita daquele ano, maiores do que em todos os países da OCDE. Nesse caso, os gastos com educação básica passariam de R$ 390 bilhões, já em 2020. Não se sabe de onde viriam os recursos para esse aumento de gastos, uma vez que a carga tributária no país já atingiu o limite do suportável. Imagine o que aconteceria caso a meta de 10% do PIB fosse de fato atingida!
O segundo ponto importante diz respeito à distribuição dos recursos educacionais. Hoje em dia, o ensino superior apropria 15% dos gastos públicos com educação, mas tem apenas 3% do total de alunos. Assim, enquanto o ensino fundamental gasta 20% do PIB per capita por aluno, o ensino superior gasta 100%. Poderíamos argumentar que os gastos com educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é somente duas vezes maior do que no ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar que muitos dos alunos que hoje frequentam o ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no ensino básico.
Por fim, vale a pena ressaltar que aumento de gastos não significam aumento da qualidade da educação. Várias pesquisas, inclusive da OCDE, mostram esse fato de forma inequívoca. Sem melhorar a formação dos professores, a seleção dos diretores e sem demitir os piores professores ainda em estado probatório, nada vai mudar, mesmo que gastássemos os 10% do PIB com educação.
Haveria somente uma maior transferência de recursos da sociedade para os professores, sem melhoria do aprendizado dos alunos. Assim, a melhor estratégia para a educação brasileira seria manter os gastos como proporção do PIB e aproveitar o crescimento do PIB e a virada demográfica dos próximos anos para manter apenas os melhores professores no sistema educacional e redistribuir recursos do ensino superior para o ensino básico, especialmente o ensino infantil, que é a base de tudo.
Naércio Menezes
21 de julho de 2012
Fonte: Valor Econômico
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