"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 21 de julho de 2012

O SENADOR QUE VIVE SUPLICIANDO BOB DYLAN É CAPTURADO POR CELSO ARNALDOI DEPOIS DE ASSASSINAR CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Para melhorar o fim de semana dos amigos da coluna, nada melhor que um texto de Celso Arnaldo sobre o inverossímil Eduardo Suplicy. Confira. (AN)

TINHA UM SUPLICY NO MEIO DO CAMINHO

Em 2004, a revista Rolling Stones fez uma lista dos 100 maiores nomes da música pop em todos os tempos, à qual deu o nome de “Os Imortais”. Em primeiro lugar, The Beatles. Em segundo, Bob Dylan.

Mas tinha um Suplicy no meio do caminho. Foi um crime gratuito, despropositado, a troco de nada, com a inconfundível marca da inimputabilidade de seu intérprete: a tortura de sua versão para Blowin´ in the Wind, assassinada à capela no púlpito do Senado pouco depois da divulgação da lista da Rolling Stones, instantaneamente arranhou a imortalidade de Bob Dylan.

Que nunca mais foi o mesmo depois que um amigo brasileiro enviou-lhe a versão-suplício desse que era até então um dos hinos universais da música pop e um momento sublime do sacro movimento da contracultura.

Quem assistiu a um dos shows de Dylan no Brasil no ano passado deve ter notado seu alheamento, seu aparente desligamento das coisas deste mundo – sobretudo cantando Blowin´ in the Wind, ele se esforça muito para não parecer Bob Dylan e para Blowin´ in the Wind não soar como Blowin´ in the wind.

Dizem que Dylan, nascido Robert Zimmerman, até pensou em sumir no vento e assumir de vez sua identidade judaica — שבתאי זיסאל בן אברהם, ou Shabtai Zisel ben Avraham – para se livrar sabaticamente do trauma.

O fato é que, desde aquele dia infame, Blowin´ in the Wind está morta – é hoje um fantasma constrangedor, que ainda vaga (veja vídeo) na voz do serial killer que já trucidou Cat Stevens, Geraldo Vandré e até os Racionais Mc´s.
Aliás, muitos senadores prefeririam dar de cara com um atirador de elite disparando a esmo um fuzil automático de verdade do que ouvir de novo o assustador “pá-pá-pá” de Suplicy quando interpretou Homem na Estrada, na tribuna. Foi um dos últimos momentos de ACM (veja o vídeo).

Bem, ninguém deteve Suplicy. E esta semana ele matou de novo, na Casa do Espanto. Supliciou até a morte outro legítimo imortal. Havia um Suplicy no meio do caminho dos 110 anos de nosso maior poeta, Carlos Drummond de Andrade. A propósito de homenagear a efeméride, atacou-o pelas costas, massacrando seus versos mais conhecidos. Na voz soluçante e trepidante de Suplicy, a antologia drummoniana ressoa como se tivesse sido escrita por José Sarney.

Para ouvir isso, quisera o poeta nunca ter saído de Itabira do Mato Dentro e nunca ter cometido um único verso — neste vasto, vasto mundo em que uma pessoa com a sem-noção de Eduardo Suplicy tem a profissão de senador vitalício da República.

Vale a hipótese: Suplicy talvez seja eleito, sucessivamente, para cumprir a cota de honestidade do Senado, hoje resumida a dois, três cases de marketing. Mas é um retrato trágico, não fosse cômico, do destino que a história reservou ao PT.

O único nome do partido não envolvido em negociatas e maracutaias é um anjo torto, que foi ser bobo na vida.



Nenhum comentário:

Postar um comentário