Chegada dos rebeldes ao centro do poder em Damasco é o sinal de que o mundo deve se preparar para uma Síria pós-Bashar Assad
Em toda revolução, há um momento em que a maré se volta contra o regime. No Egito, ele veio em 28 de janeiro do ano passado, quando manifestantes ocuparam a Praça Tahrir e incendiaram a sede do partido no poder. Na Líbia, aconteceu em 20 de agosto, quando a população de Trípoli se levantou contra Muammar Khadafi. Na Síria, pode ter acontecido na última quarta-feira, 18 de julho, quando uma bomba atingiu o coração do comando militar da Síria.
Se o ataque mudar o equilíbrio de poder decisivamente contra o presidente Bashar Assad, será um feito muito positivo. Mais ou menos um ano após suas revoluções, tanto o Egito quanto a Líbia permanecem instáveis, e a Síria, que faz fronteira com Iraque, Israel, Líbano, Jordânia e Turquia, é uma parte extremamente complexa e crucial do Oriente Médio. Aqueles que desejam o bem aos sírios agora precisam se concentrar não apenas em como trazer a queda rápida de Assad do poder, mas também sobre como poupar a Síria pós-Assad de assassinatos e caos, e como evitar que a violência se espalhe por uma região inflamável.
O bombardeio do quartel-general da segurança nacional em Damasco deve enfraquecer o regime de várias formas. Ele feriu muitos e matou o ministro da Defesa e um ex-chefe militar. Pior ainda para o presidente foi a morte de Assef Shawkat, seu cunhado e uma das figuras mais poderosas do regime.
Assad rapidamente preencheu suas posições, mas em um país governado por um grupo mantido pela lealdade pessoal, os homens mortos não serão facilmente substituídos.
O fato do bombardeio se assemelhar a um trabalho interno, exigindo inteligência e acesso profundo dentro do regime, também irá danificar a estrutura de comando das forças armadas e os serviços de segurança. A lealdade do exército – formado em sua vasta maioria pelos oficiais alauitas de Assad e soldados em sua maioria sunitas – sempre foi uma das fraquezas do regime.
A explosão de uma bomba enorme de alguma forma contrabandeada para dentro do santuário vai semear desconfiança e suspeita em todos os níveis.
Especialmente nas zonas fronteiriças, a insatisfação e discordância são visíveis. Homs e Hama, terceira e quarta maiores cidades do país, são hostis a Assad. Damasco e Aleppo, as duas maiores cidades, têm sido menos explosivas porque muitos abraçaram a visão de que Assad é uma garantia melhor de estabilidade do que a alternativa. Agora que os combatentes rebeldes entraram na cidade, essa garantia já não parece clara.
O ataque também vai alterar cálculos no exterior. Nos últimos meses, a diplomacia tem se concentrado em um plano, supervisionado por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, para negociar um cessar-fogo eficaz sob o comando de uma equipe de monitores, e criar um governo de unidade interino. Mas, ao longo das últimas semanas, o plano de Annan, junto com muitos milhares de sírios, morreu.
Os rebeldes, que agora se aproximam da vitória, não vão concordar com um cessar-fogo. As atividades dos monitores foram suspensas por causa dos combates.
O país está devastado pela guerra civil, então não há perspectiva de montar um governo de unidade. Após a bomba desta semana, o perigo é que um desesperado Assad recorra a táticas cada vez mais extremas – arrasando bairros inteiros em Damasco com artilharia pesada, ou buscando provocar uma guerra regional, ou mesmo assassinando seu próprio povo com armas químicas.
A enormidade dessa perspectiva faz valer a pena tentar mais uma vez convencer Assad a encarar o desespero de sua posição e aceitar que a fuga da Síria é agora a sua melhor opção. A ameaça da justiça internacional, especialmente as advertências sobre seu status de pária se ele usar armas químicas, poderia ter alguma força. Mas só a Rússia tem grande influência sobre ele.
O desejo de proteger um velho aliado, o medo de seus próprios rebeldes muçulmanos e a hostilidade aos apelos ocidentais para a mudança de regime levaram a Rússia a proteger o regime de Assad da pressão diplomática e das sanções econômicas.
Ao que parece cada vez mais provável que o presidente fuja, crescem também as chances de que a Rússia o abandone em troca de algum papel na Síria pós-Assad. Mas na ausência de uma mudança decisiva diplomática na direção certa, os governos ocidentais devem tentar dar um novo impulso ao esforço militar contra o Assad. A mais rápida maneira de fazer isso seria dar ajuda – como dinheiro e instrumentos de comunicações – à principal força rebelde, o Exército Livre Sírio (ELS).
Os rebeldes já recebem armas e dinheiro do Catar e da Arábia Saudita com cooperação da Turquia, mas precisam de mais ajuda, pois, apesar de seus recentes reveses, o regime de Assad é fortemente armado com as melhores armas russas.
O ELS está longe de ser um grupo de anjinhos. Algumas de suas armas, sem dúvida, cairão nas mãos erradas, que possivelmente incluirão grupos de jihadistas. Encher a Síria de armas tornará o país mais difícil de governar quando Assad estiver derrotado. Mas apoiar o ELS é provavelmente a maneira mais rápida de remover Assad do poder.
O que vem depois
Assad pode se manter no poder durante meses, ou o bombardeio pode derrubar o regime em uma queda rápida. De qualquer maneira, agora é a hora de começar a se preparar para o dia em que a Síria finalmente se veja livre dele.
A Síria pós-Assad será um perigo para seu próprio povo e seus vizinhos. O derramamento de sangue motivado pelo sectarismo é um risco; as armas químicas mais soltas serão outro; e as marés de refugiados, um outro. A Síria poderia se tornar o foco de rivalidade entre Irã, Turquia e o Mundo Árabe. A violência pode respingar em Israel ou se espalhar para o Líbano.
O mundo não pode eliminar esses perigos, mas pode amenizá-los. Dinheiro e planejamento são essenciais para ajudar a fundar um novo governo. Diplomacia regional, com a Turquia e a Liga Árabe, serão necessárias para apaziguar os ânimos. Forças de paz e monitores podem ter uma papel nesse processo. Isto exige, acima de tudo, a diplomacia presidencial dos Estados Unidos.
Em temporada de eleição, os pensamentos de Barack Obama podem estar em outro lugar, mas este lugar perigoso precisa de alguma atenção.
21 de julho de 2012
O bombardeio do quartel-general da segurança nacional em Damasco deve enfraquecer o regime de várias formas. Ele feriu muitos e matou o ministro da Defesa e um ex-chefe militar. Pior ainda para o presidente foi a morte de Assef Shawkat, seu cunhado e uma das figuras mais poderosas do regime.
Assad rapidamente preencheu suas posições, mas em um país governado por um grupo mantido pela lealdade pessoal, os homens mortos não serão facilmente substituídos.
O fato do bombardeio se assemelhar a um trabalho interno, exigindo inteligência e acesso profundo dentro do regime, também irá danificar a estrutura de comando das forças armadas e os serviços de segurança. A lealdade do exército – formado em sua vasta maioria pelos oficiais alauitas de Assad e soldados em sua maioria sunitas – sempre foi uma das fraquezas do regime.
A explosão de uma bomba enorme de alguma forma contrabandeada para dentro do santuário vai semear desconfiança e suspeita em todos os níveis.
Especialmente nas zonas fronteiriças, a insatisfação e discordância são visíveis. Homs e Hama, terceira e quarta maiores cidades do país, são hostis a Assad. Damasco e Aleppo, as duas maiores cidades, têm sido menos explosivas porque muitos abraçaram a visão de que Assad é uma garantia melhor de estabilidade do que a alternativa. Agora que os combatentes rebeldes entraram na cidade, essa garantia já não parece clara.
O ataque também vai alterar cálculos no exterior. Nos últimos meses, a diplomacia tem se concentrado em um plano, supervisionado por Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, para negociar um cessar-fogo eficaz sob o comando de uma equipe de monitores, e criar um governo de unidade interino. Mas, ao longo das últimas semanas, o plano de Annan, junto com muitos milhares de sírios, morreu.
Os rebeldes, que agora se aproximam da vitória, não vão concordar com um cessar-fogo. As atividades dos monitores foram suspensas por causa dos combates.
O país está devastado pela guerra civil, então não há perspectiva de montar um governo de unidade. Após a bomba desta semana, o perigo é que um desesperado Assad recorra a táticas cada vez mais extremas – arrasando bairros inteiros em Damasco com artilharia pesada, ou buscando provocar uma guerra regional, ou mesmo assassinando seu próprio povo com armas químicas.
A enormidade dessa perspectiva faz valer a pena tentar mais uma vez convencer Assad a encarar o desespero de sua posição e aceitar que a fuga da Síria é agora a sua melhor opção. A ameaça da justiça internacional, especialmente as advertências sobre seu status de pária se ele usar armas químicas, poderia ter alguma força. Mas só a Rússia tem grande influência sobre ele.
O desejo de proteger um velho aliado, o medo de seus próprios rebeldes muçulmanos e a hostilidade aos apelos ocidentais para a mudança de regime levaram a Rússia a proteger o regime de Assad da pressão diplomática e das sanções econômicas.
Ao que parece cada vez mais provável que o presidente fuja, crescem também as chances de que a Rússia o abandone em troca de algum papel na Síria pós-Assad. Mas na ausência de uma mudança decisiva diplomática na direção certa, os governos ocidentais devem tentar dar um novo impulso ao esforço militar contra o Assad. A mais rápida maneira de fazer isso seria dar ajuda – como dinheiro e instrumentos de comunicações – à principal força rebelde, o Exército Livre Sírio (ELS).
Os rebeldes já recebem armas e dinheiro do Catar e da Arábia Saudita com cooperação da Turquia, mas precisam de mais ajuda, pois, apesar de seus recentes reveses, o regime de Assad é fortemente armado com as melhores armas russas.
O ELS está longe de ser um grupo de anjinhos. Algumas de suas armas, sem dúvida, cairão nas mãos erradas, que possivelmente incluirão grupos de jihadistas. Encher a Síria de armas tornará o país mais difícil de governar quando Assad estiver derrotado. Mas apoiar o ELS é provavelmente a maneira mais rápida de remover Assad do poder.
O que vem depois
Assad pode se manter no poder durante meses, ou o bombardeio pode derrubar o regime em uma queda rápida. De qualquer maneira, agora é a hora de começar a se preparar para o dia em que a Síria finalmente se veja livre dele.
A Síria pós-Assad será um perigo para seu próprio povo e seus vizinhos. O derramamento de sangue motivado pelo sectarismo é um risco; as armas químicas mais soltas serão outro; e as marés de refugiados, um outro. A Síria poderia se tornar o foco de rivalidade entre Irã, Turquia e o Mundo Árabe. A violência pode respingar em Israel ou se espalhar para o Líbano.
O mundo não pode eliminar esses perigos, mas pode amenizá-los. Dinheiro e planejamento são essenciais para ajudar a fundar um novo governo. Diplomacia regional, com a Turquia e a Liga Árabe, serão necessárias para apaziguar os ânimos. Forças de paz e monitores podem ter uma papel nesse processo. Isto exige, acima de tudo, a diplomacia presidencial dos Estados Unidos.
Em temporada de eleição, os pensamentos de Barack Obama podem estar em outro lugar, mas este lugar perigoso precisa de alguma atenção.
21 de julho de 2012
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