"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 21 de julho de 2012

A NATUREZA DA CRISE MUNDIAL

Paulo Rabello de Castro
O Banco Central Europeu (BCE) acaba de oferecer uma boa pista para se entender o nó górdio que impede uma recuperação rápida da Zona do Euro, como, de resto, da economia americana.
Há quatro anos, os políticos administram um cabo de guerra entre o setor financeiro e o resto da sociedade: sobre quem recairá a conta dos empréstimos ruins dos bancos e outras instituições, como caixas, seguradoras etc.

Os mercados vêm desconfiando de haver um volume brutal de ativos ruins dormindo dentro e, sobretudo, fora dos balanços das instituições financeiras, fruto de operações ruinosas dos financiadores de recursos.

O mercado, no entanto, e muito mais os políticos e administradores públicos, desconheciam a extensão verdadeira do buraco negro dos maus ativos.

Era e é muito mais devastador do que cogitavam os mais pessimistas: só pelas operações de Credit Default Swaps (CDS) antes da ordem de US$ 50 trilhões, em 2008, o risco é, hoje, significativamente maior. Os especuladores não estão contentes com os sustos que já tomaram e, pelo visto, querem mais.

Esta é a natureza da crise. Como gerenciar as perdas ocorridas nos balanços das instituições financeiras, sem deixar que os mercados apavorados entrem num novo surto de pânico?
Em 2008, o FED americano bancou o jogo comprando ativos ruins das instituições, em quantidades jamais experimentadas na história monetária dos Estados Unidos.

O custo gigantesco do resgate quase integral dos credores foi reciclado, em boa parte, para o Tesouro americano – leia-se, os futuros pagadores de impostos – e a conta fiscal dessa bondade com o bolso alheio, chamada de “fiscal cliff”, só começará a chegar aos contribuintes americanos em 2013, se não for adiada de novo.

Os mercados vêm desconfiando de haver um volume brutal de ativos ruins dormindo dentro e, sobretudo, fora dos balanços das instituições financeiras.
Na Europa, incluindo-se a Inglaterra, que ora padece do mesmo mal, a subcapitalização dos bancos foi tratada de maneira idêntica, só que pelos bancos centrais “locais”, dos países membros, afetando sua própria estabilidade.

Foram obrigados a recorrer ao BCE, com a honrosa exceção da Alemanha, que fica na posição credora, financiando os demais. Tampouco é esta uma boa solução política.

A leitura da recente proposta, ainda velada, do BCE de empurrar para os credores privados dos bancos espanhóis uma parte do prejuízo embutido nas operações de empréstimos irrecuperáveis, que são centenas de bilhões de euros, embora seja solução racional, (ou, talvez, justamente por isso!) devolve a discussão para seu estágio primário, sua natureza principal, que é a de determinar quem toma qual prejuízo numa sociedade endividada.

No Brasil dos anos noventa, por exemplo, a solução foi inequívoca: tudo foi parar nos contribuintes – nós! – e a carga tributária explodiu em quase dez pontos percentuais do PIB, nos custando duas décadas de crescimento subnormal. Somos vítimas disso até hoje.

Na Europa, a questão se torna gravíssima quando se descobre que os credores dos bancos devedores são outros bancos, contaminando o sistema pela raiz, até na Alemanha. Daí a tendência a empurrar o prejuízo para os governos e, em último grau, para os contribuintes de lá.

21 de julho de 2012
Paulo Rabello de Castro
Fonte: O Globo, 20/07/2012

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