"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



quarta-feira, 29 de agosto de 2012

DEVER DE COERÊNCIA

 


Barroco na forma, o ministro Luiz Fux foi de clássica simplicidade no conteúdo de seu voto notadamente ao abordar a questão do ônus da prova.
 
Em resumo e com outras palavras, considerou que o peso pró-réu do princípio da presunção da inocência é inquestionável, porém, não absoluto. Implica a existência de um grau razoável de coerência nos argumentos expostos pela defesa.

Ou seja, não basta a defesa apresentar uma história qualquer, é preciso que seja bem contada.
"Toda vez que as dúvidas sobre as alegações da defesa e das provas favoráveis à versão dos acusados não forem razoáveis, não forem críveis diante das demais provas, pode haver condenação", disse e arrematou: "A presunção da não culpabilidade não transforma o critério de dúvida razoável em certeza absoluta".
 
É um ponto essencial na divergência entre os ministros que enquadraram o deputado João Paulo Cunha no crime de corrupção passiva e os que não viram nada demais no fato de a mulher dele ter recebido R$ 50 mil em espécie no Banco Rural por ordem de pagamento feita pela agência de Marcos Valério.
 
Os ministros Ricardo Lewandowski e Antonio Dias Toffoli aceitaram passivamente a versão de que o dinheiro se destinava ao pagamento de pesquisas eleitorais realizadas dois anos antes e que o envio da mulher como portadora indicava boa-fé.
 
Já o relator e os ministros Rosa Weber, Luiz Fux e Carmen Lúcia levaram em consideração a coerência do relato em relação ao contexto: a alegação inicial de que a mulher de João Paulo havia ido à agência do Rural para pagar uma conta de TV a cabo, a mudança de versão só depois de descobertos documentos obtidos mediante operações de apreensão e o suspeito "passeio" do dinheiro pelo valerioduto.
 
Todos os seis ministros que votaram até agora demonstraram intolerância com a ausência de pé e a privação de cabeça na fantástica história do envelope que Henrique Pizzolato recebeu com R$ 326 mil alegando desconhecer o que continha, de quem vinha e qual serventia teria.
 
Nesse episódio, todos aplicaram o raciocínio desenvolvido por Luiz Fux sobre a necessária verossimilhança de versões contra as quais "a simples negativa genérica não é capaz de desconstruir o itinerário lógico que leva à condenação".
 
Caso a maioria adote esse caminho, o cenário não se avizinha risonho para José Dirceu.
 
Além de tentar convencer o Supremo Tribunal Federal de que sua ex-mulher encontrou emprego, empréstimos e um comprador para seu apartamento por intermédio do esquema de Marcos Valério por mera coincidência, ainda precisará que os juízes considerem verossímil a hipótese de ter saído da presidência do PT para a Casa Civil para nunca mais tomar conhecimento do que se passava no partido.
 
No molhado. Luiz Antonio Pagot pode ser qualquer coisa, menos bobo ou o homem-bomba que se apregoava.

Foi à CPI para, vulgarmente falando, chutar cachorro morto: acusou a Delta de conspirar para derrubá-lo e Demóstenes Torres de ter pedido que favorecesse a Delta.

No ano passado Pagot esteve no Congresso para falar sobre sua demissão e nada disse sobre a construtora na época poderosa nem a respeito de Demóstenes que ainda era uma referência.

De substancioso restou confirmação do já conhecido: o uso da máquina pública, no caso o Dnit, como instrumento de arrecadação de verbas para campanhas eleitorais.

Ato banalizado a ponto de vir a servir como argumento de defesa na Justiça.

Arsenal. O governador de Pernambuco, Eduardo Campos, sustenta a perspectiva de bater o PT na disputa pela prefeitura de Recife em três fatores numéricos.

Em 2010 obteve 76% dos votos contra 42% de Dilma Rousseff, conta com 90% de aprovação no eleitorado que apresenta alto índice (72%) de desejo de mudança. Os petistas administram a capital de Pernambuco desde 2001.

29 de agosto de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo

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