As condenações por 10 a 0 até agora de Marcos Valério e seus sócios, de um lado, e do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, de outro, assim como a de João Paulo Cunha, até agora por 8 a 2, enterram definitivamente a teoria do caixa dois eleitoral, sacada da mente astuta de algum advogado medalhão — agora, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, a quem era atribuída a tese, passou a negá-la — e que serviu para o presidente Lula tentar reduzir os danos de seu partido, o PT.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que houve desvio do dinheiro público para irrigar o valerioduto e, pela maioria dos votos, deixou claro que o crime de corrupção está definido nos autos, não importa o que foi feito com o dinheiro desviado, se pagamento de dívidas eleitorais ou doações benemerentes.
O ex-presidente Lula, que prometeu, ao sair do governo, se empenhar para desmontar o que chamou de “farsa do mensalão” agora está diante de uma verdade irrefutável: o STF, composto por uma maioria de juízes nomeados pelo PT, decidiu que o mensalão é uma triste verdade e, por contraponto, a tese do caixa dois eleitoral é que é a farsa.
Da maneira como está transcorrendo, esse julgamento vai se transformar em um novo balizamento para a atividade política, que estava acostumada à ilegalidade, como se ela fosse inevitável no sistema partidário tal como conhecemos hoje. E também estão sendo estabelecidos balizamentos para o exercício do serviço público.
Esse julgamento vai se transformar em um novo balizamento para a atividade política, que estava acostumada à ilegalidade
Vai ser preciso mudar o comportamento dos políticos e de seus financiadores, até porque o perigo da punição exemplar está mais próximo do que jamais esteve. Os acusados das mesmas práticas no PSDB mineiro e no DEM de Brasília podem se preparar para o mesmo destino.
O caso do ex-diretor do Dnit Luiz Pagot é emblemático. Ele confessou na CPI do Cachoeira que o tesoureiro da campanha da hoje presidente Dilma Rousseff lhe pediu uma relação dos empreiteiros que trabalhavam em obras do governo para pedir financiamento.
Ele mesmo chegou a arrecadar pessoalmente alguns milhões para a campanha de Dilma, o que, admitiu, não foi muito ético.
Pelo entendimento que vai se fazendo no julgamento do Supremo, essa atitude de um servidor público é suficiente para caracterizar peculato e corrupção passiva, mesmo que não se prove que houve beneficia-mento aos empreiteiros doadores, mesmo que as doações tenham sido feitas legalmente. E até mesmo que não tenha havido be-neficiamento algum.
O ministro Cezar Peluso foi claro em relação a João Paulo Cunha, ex-presidente da Câmara: “O delito está em pôr em risco o prestígio, a honorabilidade e a responsabilidade da função. Ainda que não tenha praticado nenhum ato de ofício, no curso da licitação, o denunciado não poderia, sem cometer crime de corrupção, ter aceitado esse dinheiro dos sócios da empresa que concorria à licitação”
O ministro Marco Aurélio Mello entrou em detalhes: “Assento que para a corrupção ativa, basta que se ofereça. Pode haver inclusive a recusa. (…) (basta que) se ofereça, se prometa vantagem. Vantagem visando, simplesmente visando, a prática de um ato pelo servidor”! O “ato de ofício” seria um agravante do crime de corrupção.
O ministro Celso de Mello reforçou a tese: “Não há necessidade de que o ato de ofício seja praticado. (…) Se a vantagem indevida é oferecida na perspectiva em um ato de que possa vir a praticar’!
Sintetizando o que parece ser o espírito a presidir esse julgamento do STF, o decano Celso de Mello definiu:”(…) corruptos e corruptores, (são) os profanadores da República, os subversivos da ordem institucional, os delinquentes marginais da ética do Poder, os infratores do erário, que portam o estigma da desonestidade. (…) E, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei’!
Merval Pereira
Fonte: O Globo, 30/08/2012
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