Mesmo que tenha deixado para hoje o caso do ex-presidente petista da Câmara João Paulo Cunha, o revisor Ricardo Lewandowski dificilmente deixará de o condenar ao menos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, pois o corruptor é o mesmo, e o método também, do esquema que condenou ontem.
O revisor, surpreendendo a maioria, seguiu o relator em todas as condenações pedidas para Henrique Pizzolato, ex-diretor do Banco do Brasil, Marcos Valério e seus sócios. Até no caso do bônus de volume, que Lewandowski considerou corretamente direcionado para a agência de propaganda e não para o Banco do Brasil, o revisor avaliou que houve desvio de parte dele, caracterizando o peculato.
Como Lewandowski deixou para abordar por último o caso do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha, quando o relator Joaquim Barbosa tratou dele em primeiro lugar, há uma expectativa de que tenha feito isso para criar um clima que permita absolver o petista.
Seria manobra justificada por pressões políticas que estaria sofrendo por parte de setores do PT. Acho, porém, que, pela linha de raciocínio adotada, é improvável que o revisor defenda João Paulo Cunha de todas as acusações.
Pode haver discussão sobre o desvio do dinheiro público se o revisor não ficou convencido de que os contratos com a agência de Marcos Valério não foram realizados, embora o relato do voto de Joaquim Barbosa tenha sido, a meu ver, bem eficiente no sentido de demonstrar que o contrato era desviado para os interesses pessoais de Cunha e do PT.
Quando anunciou que iniciaria seu voto pelo ex-diretor do Banco do Brasil, Lewandowski disse que o faria “por uma questão de racionalidade”. Quem sabe ele não está fazendo isso para poder ter um respaldo para condenar o petista?
Assim como Pizzolato, quando diretor do Conselho de Administração da Previ, recebeu um pacote de R$ 326 mil da SMP&B, retirado por um contínuo no Banco Rural no Rio de Janeiro, autorizado por Marcos Valério, também João Paulo Cunha recebeu na boca do caixa do Banco Rural em Brasília R$ 50 mil, retirados por sua mulher.
O fato de o dinheiro ter sido registrado pelo Rural como “pagamento a fornecedores” pela SMP&B caracterizou, para o relator e para o revisor, a corrupção passiva e a lavagem de dinheiro, pois tanto Pizzolato quanto Cunha não declararam o recebimento desse dinheiro.
Retirar a acusação de peculato contra Cunha vai ser difícil, pois o revisor terá de encontrar uma razão para justificar o fato de que o então presidente da Câmara recebeu um dinheiro ilegal, já que a tese do caixa dois eleitoral está superada pela aceitação do revisor de que houve desvio de dinheiro público, entre outros, no Banco do Brasil através do Visanet, no valor de R$ 73,851 milhões para a agência DNA, de Valério, Ramon Hollerbach e Cristiano Paz.
Não pode passar despercebido pelos ministros do STF que em outro processo, o chamado mensalão tucano de Minas, o mesmo lobista Marcos Valério é acusado de ter montado originariamente esse mesmo esquema de desvio de dinheiro público para financiar partidos políticos.
Esse esquema de distribuição de dinheiro “para fins ilícitos”, como salientou Lewandowski, está ficando cada vez mais claro à medida que o julgamento vai transcorrendo, e é de salientar a concordância entre o relator, Barbosa, e o revisor, Lewandowski.
O revisor, com bom humor, a certa altura pediu ao relator que guarde sua réplica “para outro dia”, deixando no ar que pode discordar em algum momento do voto do relator.
Ficando estabelecido, por esses dois primeiros votos, que receber dinheiro na boca do caixa do Rural representa lavagem de dinheiro e corrupção passiva, todos os demais réus que eram congressistas à ocasião estarão automaticamente incluídos nesse rol de acusados por parte de Barbosa e Lewandowski.
Será inexplicável se, a esta altura do julgamento, o revisor vier a reviver a tese de que os repasses de dinheiro da agência SMP&B para os políticos representariam simplesmente caixa dois eleitoral, como insistem os advogados de defesa.
Com o imenso esquema financeiro que está sendo confirmado e desvendado no julgamento, fica claro que não importa se essa dinheirama toda tenha até sido usada em campanhas eleitorais. O dinheiro que foi distribuído entre políticos e funcionários públicos teve origem ilegal para financiar atos ilícitos.
23 de agosto de 2012
Merval Pereira, O Globo
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