Ao menos na época em que o assunto estava restrito ao campo político, já que depois do oferecimento da denúncia pelo procurador-geral Antonio Fernando de Souza por peculato, corrupção, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, o "núcleo político" precisou recorrer a qualquer recurso para se defender, por mais frouxo que fosse.
Na primeira fase, entre a criação da CPI dos Correios em função da exibição de um vídeo de funcionário da estatal ligado ao PTB recebendo R$ 3 mil de propina, a denúncia de Roberto Jefferson e o deslocamento do foco das investigações para o mensalão, o que se ouviu foram negativas peremptórias sobre quaisquer tipos de acertos financeiros.
Apenas a partir da revelação de dados e fatos impossíveis de serem desmentidos é que os envolvidos saíram do estado de negação para o de adaptação de justificativas.
Até que em meados de julho - quase três meses depois da cena que originou todo o escândalo - adotou-se oficialmente a versão do caixa 2 consolidada na entrevista dada pelo presidente Lula em Paris atribuindo as ações de seu partido aos defeitos do sistema: "Do ponto de vista eleitoral o PT fez o que é sistematicamente feito no Brasil", disse.
Desde então, essa passou a ser a história a que estariam presos os advogados na construção das peças em prol dos clientes. Por partirem do princípio da aceitação de ilícito "menor", assentaram como verdadeira a ocorrência de delitos "maiores".
De onde ficaram prejudicadas, por inverossímeis, as defesas apresentadas no processo procurando mostrar os acusados como homens de bem, vítimas de insidiosa perseguição, porque a medida é uma só: se há culpa assumida, seja de que tamanho for, rompido está o pressuposto da inocência.
Sobre a inconsistência dessa versão, aliás, em 2005 já dava insuspeita notícia o presidente da CPI, o petista Delcídio Amaral: "Tudo indica, pelas movimentações financeiras investigadas pela CPI até agora, que perde força a tese de que os empréstimos de Valério foram feitos apenas para viabilizar caixa 2 de partidos".
Poder alienado. Muito já se falou sobre o erro de cálculo do governo federal sobre o potencial de mobilização das lideranças sindicais do serviço público.
Os analistas da cena da prolongada greve também já abordaram a inação do Executivo na regulamentação da Constituição, tema transitoriamente resolvido pelo STF 2007 com a decisão de submeter essas paralisações às regras vigentes para o setor privado.
Só não se fala da indiferença do Legislativo. Legalmente, a iniciativa cabe ao Executivo, mas isso não obriga nem justifica que o Parlamento se mantenha alheio ao que se passa no País enquanto se recolhe a um extravagante "recesso branco" para cuidar das eleições municipais.
Vale dizer, para tratar da conveniência de deputados e senadores ocupados em fortalecer suas bases nos municípios a fim de assegurar suas sobrevivências políticas.
Nada a ver com a função para a qual foram eleitos pelo público votante e, sobretudo, pagante, que nesse momento certamente gostaria de contar com um Parlamento empenhado em levantar o debate para levar o Planalto a cuidar da regulamentação.
Mas, o Congresso não quer ele próprio deixar sua zona de conforto. Só entra em atrito com o Planalto na retórica, quando o partido é de oposição ou quando a maioria governista se vê ameaçada no atendimento de suas reivindicações específicas.
Por tolerância, ignorância ou descrença, do Poder Legislativo não se cobra a execução do papel de mediador ativo da sociedade, deixando que deputados e senadores acabem por atuar como representantes de si mesmos.
21 de agosto de 2012
Dora Kramer - O Estado de S.Paulo
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