Por que o Bolsa Família é inconstitucional? Por que não é contraprestação genérica, não é bem de todos, não é serviço à disposição, não é assistência propriamente dita, não é salário e esse dispêndio de dinheiro não se enquadra na definição de tributo, nem da de previdência e nem na de assistência, o mesmo se dando com o seu custeio. É doação feita pelo governo. Doação feita com dinheiro arrecadado via tributos, não por fonte própria, criada especificamente para tal.
Afinal, que vem a ser um tributo? Muitas definições se encontram entre os juristas e o próprio Código tributário Nacional o define: Tributo é toda prestação pecuniária compulsória em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.
Existe uma finalidade, uma razão de ser dos tributos. E isto se encontra bem explícito na definição de cada uma das espécies de tributos que, a rigor, são só 5: impostos, taxas e contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuição.
A lei do Bolsa Família não instituiu nenhuma contribuição específica, como a nada saudosa CPMF, nem tampouco empréstimo compulsório, então já se descartam estes dois tributos.
Conforme o CTN, Contribuição de Melhoria é uma modalidade de tributo “cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”.
Obviamente, não há imóvel algum valorizado por conta de obra pública no caso do Bolsa Família.
O CTN define o que seja taxa: “As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição”.
Bem, ninguém tem nenhuma contrapartida específica à disposição por conta do Bolsa Família, quer dizer, o cidadão que paga tributos, mas não recebe o benefício, simplesmente manda dinheiro para a bolsa da viúva e fica a ver navios. Nada de taxa, então.
Sobram os impostos. A definição do CTN é: “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”.
Por conta dessa generalidade, haverá quem diga “tudo bem, pode-se arrecadar e fazer o que bem se entenda com o dinheiro”. Nada mais falso. Ora bolas, os impostos em particular e os tributos em geral existem para o Estado-administração manter-se em pé e cumprir suas tarefas, mas não podemos levar a isto a ferro e fogo, porque do contrário, se vier uma lei dizendo que tal ou qual grupo de pessoas merece ganhar um salário milionário à custa do erário, seremos obrigados a engolir.
Imagine se ao invés de um Bolsa Família, estivéssemos falando de doações a fundo perdido a milionários, estrangeiros ou ursos panda; ninguém teria dificuldade alguma em reconhecer que impostos não são pagos para isto. Ora, se doações a fundo perdido não são toleradas, então, por que tolerar o Bolsa Família?
O caso é que, embora não haja vinculação do tributo a uma atividade estatal específica, não significa isto que os recursos possam ser gastos ao bel-prazer da consciência do governante de plantão. A lei fala em atividade estatal específica, o que não abre espaço para a atividade estatal genérica. Grosso modo, os impostos servem para custear as funções estatais propriamente ditas. Desde quando a doação de dinheiro é uma função estatal propriamente dita? Não é.
E não seria o Bolsa Família uma forma de assistência social? Por este lado, a defesa do programa fica menos ilógica. Exceto por uma questão: os benefícios assistenciais ou são emergenciais e temporários ou são vinculados a um fato objetivo que diminua a capacidade produtiva do cidadão que a recebe, um fato objetivo que impeça aquele particular cidadão de prover a sua subsistência.
Ora, a lei do Bolsa Família não faz referência nenhuma a qualquer fato objetivo e nem é emergencial. Ademais, o programa não se enquadra nas definições e conceituações da própria lei orgânica da assistência social:
Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Art. 2º A assistência social tem por objetivos:
I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
V – a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
Parágrafo único. A assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, visando ao enfrentamento da pobreza, à garantia dos mínimos sociais, ao provimento de condições para atender contingências sociais e à universalização dos direitos sociais.
Art. 3º Consideram-se entidades e organizações de assistência social aquelas que prestam, sem fins lucrativos, atendimento e assessoramento aos beneficiários abrangidos por esta lei, bem como as que atuam na defesa e garantia de seus direitos.
Art. 4º A assistência social rege-se pelos seguintes princípios:
I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica;
II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade;
IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;
V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.
Art. 5º A organização da assistência social tem como base as seguintes diretrizes:
I – descentralização político-administrativa para os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, e comando único das ações em cada esfera de governo;
II – participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis;
III – primazia da responsabilidade do Estado na condução da política de assistência social em cada esfera de governo.
Claro, o famigerado adjetivo social poderia ser sacado para dizer que se trata sim de uma forma de assistência, mas, ainda que se admita essa forçada interpretação incoerente com os demais dispositivos da própria lei, ainda assim restaria o grande problema de não ter sido respeitada a exigência do artigo 5º, II.
Alguém foi consultado sobre a criação do Bolsa Família?
A verdade é que o Bolsa Família não se enquadra nos objetivos descrito no artigo 2º desta lei. A persecução destes objetivos é que se faz mediante a obediência aos demais princípios, não se diz que o uso de dinheiro público obedecerá a isto irrestritamente, do contrário a construção de estradas, portos e aeroportos seria de todo ilegal.
Tais princípios são específicos da assistência social, cujo objetivo não é doar nada a ninguém.
Obviamente, o Bolsa Família nada tem de previdenciário, já que aí se faz necessária a contribuição, em qualquer medida que seja.
Já que o Bolsa Família não atende a nenhum mandamento constitucional e seu custeio não pode ser feito por meio da tributação e nem tem previsão legal alguma, tal qual explanado até aqui, e ainda por ferir o direito de propriedade, a conclusão é bastante simples: é inconstitucional.
Então, afinal, o que vem a ser esse Bolsa Família? Nada. Tal qual colocado em prática e fixado em lei, o Bolsa Família é simples expropriação de renda. O Estado toma dinheiro dos pagadores de impostos e doa-o a quem ele julga que mereça. Simples e direta transferência de renda.
Há algo de errado com a transferência de renda? Coercitiva? Claro que há: direito de propriedade. Se é meu e o uso do que é meu não causa prejuízo a ninguém, deve ficar em meu domínio. Paga-se tributos com uma finalidade prática, a qual não engloba a doação em dinheiro vivo a quem quer que seja.
O grande problema do Bolsa Família é que ele não tem natureza jurídica alguma, exceto a de simples doação. Certo, é uma doação condicionada, o cidadão deve se comprometer a fazer ou deixar de fazer algumas coisas. A par de ser um absurdo pagar para um pai cumprir seu dever legal de matricular os filhos na escola, o fato é que essa condição não muda o caráter de doação.
O que diz o artigo 1º da CF? Eis:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Onde se enquadra aí o assistencialismo? E a doação pura e simples, ainda que feita a pessoas miseráveis? Em lugar algum, exceto em definições muito particulares e nada consensuais do que seja cidadania, as quais extrapolam o campo meramente político para esticar o termo até se tornar praticamente sinônimo de igualitarismo artificial. Rebate-se isto em seguida. Antes, o artigo 3º:
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Onde se enquadra o Bolsa Família aí? No inciso III? Ora, venhamos e convenhamos, é forçar demais a barra. Isto é um objetivo, algo a se perseguir, não uma obrigação específica. Erradicar a pobreza pouco ou nada tem a ver com doações de dinheiro. Há inúmeros meios de se fazer isto. E o Bolsa Família erradicou a pobreza? Coisa nenhuma, continuam pobres os que a recebem, sem falar nas odiosas exceções daqueles já nem pobres eram e receberam por motivos e meios bastante deploráveis.
O que pega mesmo é que já há não há quase ninguém a diferenciar República de Estado e, pior, nem mesmo República de União Federal. República é uma forma de governo, União Federal é uma pessoa jurídica através da qual o Estado (ente político) exerce a sua função de Estado-administração. E Estado, grosso modo, é o mesmo que país, é a organização política de um povo dentro de um dado território. Ainda que se queira discutir pormenores da definição de Estado, nada há que sinonimize este à República.
A questão é que sendo a República uma forma de governo, a União não tem obrigação alguma de se jogar a todo vapor na erradicação da pobreza. E tampouco isto impõe qualquer dever a qualquer cidadão.
O problema é que o Bolsa Família é uma expropriação de renda, do salário do trabalhador, do faturamento das empresas e prestadores de serviço. O termo correto é este: expropriação.
O Bolsa Família seria juridicamente aceitável se fosse:
1) emergencial, como é o seguro-desemprego ou o auxílio-doença; ou
2) vinculado a um fato objetivo que diminua a capacidade produtiva do cidadão, pelo tempo que ela perdurasse, inclusive eternamente, sempre na medida dessa diminuição e se e tão somente se ela prejudicasse a sobrevivência.
E ainda mais. Por mais cruel possa parecer, a verdade é que não há nada de digno em privar de um homem a subsistência pelo próprio suor. De outro modo, não há nada mais digno do que um homem subsistir graças ao seu suor. Mas e se houver algo que o impeça? Então, conforme o caso, tem de se promover atos que removam este obstáculo, mas não aceitar sua existência e dar eternamente de comer ao miserável.
O Bolsa Família é injusto porque institui a caridade forçada. Ora, caridade forçada não é caridade, não é solidariedade.
É simplesmente um abuso em prol do favorecido. Como, no caso, se trata de ajudar pessoas pobres, fica difícil imaginar que seja injusto, mas a questão é principio lógica. Se é errado forçar alguém a dar parte da sua renda para outrem, isto é errado sempre, não importa quem seja o beneficiário e o fato de o Estado fazer isto por via dos impostos não torna a situação melhor, antes piora, em razão do absurdo poder do Estado frente ao cidadão.
De resto, o objetivo das obras e serviços públicos já não é justamente fornecer a todos um mínimo de dignidade na sua existência? Paga-se tributos para que todos tenham saúde, educação, segurança. Se tudo isto estivesse feito de modo satisfatório, que miséria haveria, efetivamente?
Ou seja, para apagar os efeitos deletérios da sua própria incompetência, os governantes decidiram expropriar renda de trabalhadores e empresas para ajudar quem não tem o que deveria ter e para o que tributos já foram recolhidos.
O Estado poderia, como deveria, incentivar doações privadas. Poderia agir de mil modos, talvez até dez mil modos, mas preferiu o caminho mais fácil de usar seu poder desmesurado para subtrair renda do trabalhador e transferi-la diretamente a quem ele julga que mereça.
Se o Bolsa Família, além das condições já existentes, ainda fosse temporário, teria, grosso modo, a mesma utilidade do seguro-desemprego: dar tempo a que pessoa consiga arrumar um trabalho honesto. No caso, atingiria pessoas que vivem em regiões em que isto é bem mais complicado. Que tempo? Isso seria algo ser decidido no Congresso, à casa das leis. 1 ano, 2, 6 meses, poderia variar conforme o caso, conforme a região.
A grande vantagem disto é que não só ajudaria quem precisa, como também forçaria o Estado a agir para a remoção dos tais obstáculos que dificultam a sobrevida daquele miserável.
O fato é que o Bolsa Família, tal qual está colocado em prática e fixado em lei, é uma aberração jurídica e moral. É preciso pressionar pela sua reformulação ou substituição por um programa melhor, urgente.-
in Mídia Católica
23 de setembro de 2012
Alexandre Rezende
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