Três meses depois
de qualificar como piada as projeções de crescimento para o país feitas pelo
banco Credit Suisse, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, teve de se render à
realidade.
O Banco Central,
ontem, revisou as expectativas para o Produto Interno Bruto (PIB, soma do que o
país produz em um ano) e a nova estimativa de crescimento ficou próxima ao
número que o ministro tentou desacreditar:
1,6%.
Antes, a
autoridade monetária esperava uma expansão de 2,5%. A queda da previsão do PIB
foi acompanhada ainda pela piora da expectativa de inflação, que subiu de 4,7%
para 5,2% — um quadro que deixa o Brasil entre pouquíssimas nações que amargam
atividade fraca e carestia em alta.
As previsões
foram apresentadas ontem pela autoridade monetária durante divulgação do
Relatório Trimestral de Inflação. O documento indica que a presidente Dilma
Rousseff terminará seu mandato sem deixar a inflação no centro da meta em um
único ano.
Para 2013, a
expectativa do BC é de 4,9%. Para o terceiro trimestre de 2014, 5,1% — número
que precisa ceder 0,6 ponto percentual para atingir o objetivo perseguido pelo
governo, 4,5% para o Índice de Preços ao Consumidor Amplo
(IPCA).
Apesar das
próprias previsões, o BC continua com o discurso de que a inflação vai convergir
para o centro da meta de "maneira não linear".
O diretor de
Política Econômica da instituição, Carlos Hamilton Araújo, atribuiu à seca dos
Estados Unidos a culpa de a inflação estar longe dos 4,5%. Com os problemas
climáticos no país, houve a quebra da safra de grãos.
Preços
internacionais importantes, como os de milho e da soja,
dispararam.
"Não fosse o
choque de oferta, a inflação cairia para 4,5%.
Ele desviou
temporariamente o recuo da inflação", argumentou Araújo. O diretor explicou que
o ganho de produtividade no Brasil está entre 1% e 2% e que qualquer aumentou
real de salário para os trabalhadores acima desse percentual se transforma em
inflação.
No Palácio do
Planalto, a previsão do BC de 1,6% para o crescimento do PIB no ano foi recebida
sem sustos. A presidente Dilma Rousseff já havia sido avisada por técnicos que a
projeção viria abaixo dos 2% anunciados recentemente pelo Ministério da
Fazenda.
Tanto ela quanto
a equipe econômica consideram que o pior já passou.
A previsão do BC,
na visão de técnicos do governo, é de que essa estimativa limita-se à "economia
vista pelo retrovisor". O terceiro trimestre, pelos cálculos desses técnicos, já
dá mostras de robustez e, em termos anualizados, o PIB estaria a 6% em termos
anualizados.
Para o quarto
trimestre, eles esperam um ritmo mais lento, pouco acima de 5% — número que, se
confirmado, levará o crescimento do PIB no ano para os 1,6% estimados pelo BC.
A Confederação
Nacional da Indústria (CNI) também reduziu a previsão de crecimento neste ano,
para 1,5%.
Custo da
meta
Durante
apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, Araújo afirmou que, como
ocorreu em 2011, trazer a inflação para o centro da meta implicaria "custo
enorme" para o país.
Quando
questionado se esse custo hipotético seria um PIB menor e se agora o BC tem um
duplo mandato — controle de preços e crescimento —, ele
respondeu:
"O combate a
surto inflacionário tem impacto para a atividade. Não há almoço grátis",
afirmou.
"O custo é sempre
medido em termos de atividade", observou mostrando, segundo analistas, que o BC
tem uma clara preocupação com o crescimento, portanto a inflação não é mais a
única missão da autoridade monetária, embora isso não seja admitido
oficialmente.
Araújo
limitou-se, porém, a dizer que o aperto monetário seria inócuo:
"Não faria
sentido subir a taxa de juros considerando a defasagem de política monetária".
O diretor do BC
disse também que o espaço para o movimento de corte nos juros básicos (Selic) no
Brasil está se estreitando, algo que, somado ao Relatório de Inflação,
solidificou entre os analistas a sensação de que o ciclo de corte de juros pode
acabar em uma taxa de 7,5% ao ano.
"Acreditamos que
a Selic permaneça em 7,5% ao longo do ano que vem inteiro, já que o BC não vê
riscos de médio e longo prazo para a inflação", afirmou o economista-chefe da
corretora Gradual Investimentos, André Perfeito.
O
economista-chefe do Itaú Unibanco, Ilan Goldfajn, também prevê que o fim do
ciclo de cortes esteja próximo. Ele, porém, aposta em mais uma redução, de 0,25
ponto percentual em outubro. "Permanecerá nesse patamar até meados do ano que
vem", estimou.
Dólar
Sobre dólar, o
diretor do BC explicou que nos próximos 12 meses dificilmente ocorreria algo
semelhante ao último ano, quando a moeda saiu de R$ 1,60 para pouco mais de R$
2.
"Em um ano o
câmbio depreciou algo como 25% a 30%. Isso teve impacto na inflação do atacado e
na inflação ao consumidor", afirmou.
Para o diretor, o
peso do dólar mais alto sobre os preços ao consumidor ainda não foi totalmente
absorvido. Mas deve ser repassado integralmente até o fim do ano.
Na avaliação da
autoridade monetária, as expectativas do mercado para o custo de vida em 2013
devem ceder nas próximas semanas. A instituição acredita que os analistas ainda
não contabilizaram o impacto da desoneração da energia, um desconto que deve
reduzir o IPCA em 0,5 ponto percentual no próximo ano. Araújo excluiu do cenário
um possível reajuste nos combustíveis.
Afirmou
acreditar em outras influências positivas para o custo de vida.
» Desconforto
O diretor de
Política Econômica do BC, Carlos Hamilton, se mostrou desconfortável quando
questionado sobre as declarações do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do
secretário-executivo da pasta, Nelson Barbosa.
Ambos têm
garantido que os juros não irão subir em 2013.
Araújo limitou-se
a dizer que a diretoria do BC se reúne a cada 45 dias para avaliar o cenário e
decidir. Nos bastidores, a presidente Dilma tem tentando apaziguar os ânimos
entre Fazenda e BC. Ela delimitou o território que cada um deles poderia
transitar.
O Banco Central
não fala da área fiscal e a Fazenda não dá opinião sobre política
monetária.
VICTOR MARTINS » VÂNIA CRISTINO Correio Braziliense
28 de sete
mbro de 2012
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