Vinte anos depois
de entrar para a História como o primeiro presidente da República a ser afastado
do cargo por crime de responsabilidade, o
agora senador Fernando Collor de Mello (PTB-AL) ainda tem contas a acertar com a
Justiça brasileira.
O ex-presidente é
acusado de cometer corrupção passiva, peculato e falsidade ideológica no Supremo
Tribunal Federal (STF), mesma Corte que hoje julga o escândalo do mensalão no
governo Lula que reúne no banco dos réus aliados e algozes de Collor, como o
presidente do PTB, Roberto Jefferson, e o ex-ministro José
Dirceu.
Os crimes teriam
sido praticados quando Collor ocupava a Presidência. Desde outubro de 2009, o
processo está parado no gabinete da ministra Cármen Lúcia. O procurador da
República autor da denúncia, Luis Wanderley Gazoto, acredita que dois dos três
crimes imputados a Collor corrupção passiva e falsidade possam estar
prescritos.
No caso de
peculato, o ex-presidente só não se beneficiaria com a prescrição em caso de
condenação à pena máxima de 12 anos de detenção, conforme o
procurador.
Collor se livrou
em 1994 do processo de corrupção. Por 5 votos a 3, o STF entendeu que não havia
provas de seu envolvimento com as operações de arrecadação ilegal de dinheiro
comandadas por Paulo César Farias, o ex-tesoureiro da campanha presidencial de
Collor.
Faltou um ato de
ofício para configurar que o então presidente da República tinha sido de fato
corrompido.
No julgamento do
mensalão, o argumento jurídico que absolveu Collor está sofrendo uma ligeira
mudança em sua interpretação. Os ministros do Supremo entendem agora que o ato
precisa ser apontado, mas não precisa necessariamente ter se
consumado.
A sessão histórica
da Câmara que aprovou o impeachment do presidente começou às 9 horas do dia 29
de setembro de 1992, com 62 deputados no plenário. Até a hora de votação, à
tarde, o quorum chegaria a 480 presentes.
Mais de 80
deputados se inscreveriam para falar até que o presidente da Câmara, Ibsen
Pinheiro (PMDB-RS), anunciasse o resultado final:
441 votos pelo
impeachment de Collor, 38 contra e uma abstenção.
No plenário
estavam nomes como Aécio Neves,
José
Serra,
Nelson
Jobim,
Ulysses
Guimarães,
José
Dirceu,
José
Genoino,
Roberto
Freire,
Luis Eduardo
Magalhães.
À exceção do
último, todos do mesmo lado:
pró-impeachment.
Vigésimo quarto
orador a falar, o hoje réu no processo do mensalão José Dirceu pregou em
defesa do combate à corrupção. Na época era secretário-geral do PT, partido que
hoje tem o senador Collor como aliado no Congresso:
O que
necessitamos no momento é de uma profunda reforma institucional que elimine da
legislação eleitoral partidária as raízes e as causas da corrupção eleitoral,
que elimine da legislação penal e tributária brasileira a base para os crimes
eleitorais, para a corrupção e, principalmente, para a
impunidade.
Outros se
sucederam.
Na oposição, o PSDB
defendeu a saída de Collor.
Do então deputado
José Serra veio o discurso mais contundente.
O presidente da
República não está sendo derrubado pelos seus adversários nem por cartórios
organizados. Está sendo destituído pela marcha da insensatez que ele próprio
deflagrou a partir da posse. São os fatos, a dura realidade dos fatos, e não a
astúcia de seus opositores, que o condenam disse Serra.
Do alto da tribuna,
Nelson Jobim, relator do processo contra Collor, deu ares jurídicos e políticos
ao caso. Citou o que fora apurado na CPI do PC e vaticinou:
No início eram
boatos em relação à conduta do senhor presidente da República. Logo a seguir,
após o depoimento público do irmão, teve início um outro momento, o da comissão
parlamentar mista de inquérito. Foi com ela que a nação começou a ficar
perplexa. Lá foram expostos fatos, feitos desmentidos, comprovadas contradições
e realizadas investigações. Da perplexidade, o país passou imediatamente à
indignação: indignação com tudo que via e lia, indignação que fez com que a CPI
aprofundasse mais a sua pesquisa sobre as ações do senhor Paulo César Farias.
Essa pesquisa acabou chegando às portas do palácio
presidencial.
Collor deixou o
Planalto em 2 de outubro, entre vaias e aplausos dos servidores da Presidência.
Às 10h40m, no helicóptero presidencial, fez um pedido: queria sobrevoar as obras
de um Ciac, escolas pré-fabricadas e uma das marcas de sua
gestão.
O piloto avisou
que o combustível só dava para ir até a Dinda. Collor soube ali que estava de
fato fora do cargo. O vice Itamar Franco assumiu e ficou no posto até as
eleições de 1994.
A derrocada do
presidente que assumiu o cargo em 15 de março de 1990 congelando ativos
financeiros até o limite de 50 mil cruzados novos começara meses antes. Em maio
de 1992, Pedro Collor, o irmão desafeto, veio a público para testemunhar: PC
Farias seria testa de ferro do chefe da nação.
Dias depois, Collor
convoca cadeia nacional faria isso outras vezes com o agravamento da crise
política para se explicar e lamentar as declarações do irmão, que é afastado dos
negócios da família pela mãe, Leda Collor. Em junho, a CPI mista é instalada no
Congresso. Os acusados, ouvidos. PC Farias se limita a dizer que recebeu muitos
pedidos de empresários, mas, crime, não cometeu.
Surge o
personagem-chave, Eriberto França. O motorista declara que pegava cheques para
pagar despesas da Casa da Dinda, residência oficial de Collor. A quebra de
sigilo bancário descobre correntistas-fantasmas usados para movimentar o
dinheiro do Esquema PC. Parte deles foi usada para pagar as despesas do
presidente.
O GLOBO noticia uma
das mais simbólicas:
o Fiat Elba que
Collor usava em seus passeios dominicais. José Carlos Bonfim era o dono do
cheque. José Carlos Bonfim não existia. Era um dos correntistas-fantasmas do
esquema.
O novo processo
contra Collor foi aberto em 2000, depois de idas e vindas entre o Supremo e a
Justiça Federal. O Ministério Público Federal denunciou-o por envolvimento num
suposto esquema de fraude em licitações e pagamento de propina. Conforme a
denúncia, empresários do setor de publicidade pagavam propina a auxiliares
diretos do então presidente.
Em troca, as
empresas ganhavam contratos em concorrências direcionadas. Contas pessoais de
Collor, como pagamento de mesada para um filho só depois reconhecido pelo
presidente, eram quitadas com a arrecadação ilícita, cita a
denúncia.
A alegação final
da Procuradoria-Geral da República, anexada aos autos ainda em 2008, ressalta
que o presente caso é absolutamente diverso de outros procedimentos já
arquivados no STF. Em setembro de 2009, o processo foi remetido para a nova
relatora, ministra Cármen Lúcia. Não houve uma única movimentação desde
então.
Por meio de sua
assessoria, a ministra sustenta que o processo é longo e que precisou dar
prioridade à ação do mensalão e à do deputado federal Natan Donadon (PMDB-RO),
que corriam maior risco de prescrição. Cármen Lúcia diz que o relatório e o voto
estão prontos e serão repassados ao ministro revisor, Dias Toffoli, após o
julgamento do mensalão.
Advogado de
Collor no processo, Rogério Marcolini disse que o cliente é o maior interessado
no julgamento. E que Collor não teve participação na seleção e contratação de
agências de publicidade, e não foi beneficiado. Por isso, sustentou, será
absolvido de novo.
O
Globo
29 de setembro de 2012
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