"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 29 de setembro de 2012

O BRASIL CAMINHA PARA SER UMA REPÚBLICA PENTECOSTAL?

Candidatos adequam seus discursos ao gosto pentecostal (Reprodução/Internet)
A campanha de Haddad o colocou para entregar santinhos — sem trocadilho — na Expo Cristã, com direito a estande e tudo, depois que se constatou que o PT errou a mão no trato com os evangélicos logo na cidade com o maior número de templos evangélicos em todo o país, o que teria ajudado Russomanno a se consolidar junto aos rebanhos de seitas pentecostais.

O dia em que evangélico votar só em evangélicos

O que assustou os petistas paulistas e os fez dar meia volta no sentido do altar — logo depois de o próprio Haddad ter feito duras críticas à mistura de religião com política — foi uma constatação que saiu da última pesquisa Ibope sobre as eleições na capital paulista.

Segundo o Ibope, uma em cada cinco pessoas que tradicionalmente votam no PT é evangélica e, entre esses eleitores, 42% hoje declaram voto em Russomanno.

Números como esses, ou seja, estatísticas do jogo eleitoral "contaminadas" pelo fenômeno nada religioso, mais sim bem mundano, da proliferação de igrejas pentecostais no Brasil, são cada vez mais comuns na conta eleitoral dos partidos políticos que a cada dois anos se acotovelam pelo país disputando a preferência dos eleitores nos três níveis da administração pública. É cada vez maior a influência da religião nas estratégias eleitorais, alianças partidárias e discursos dos candidatos a toda e qualquer estirpe de cargo público eletivo.

Seria apenas mais uma tendência demográfica a chamar a atenção dos marqueteiros de campanhas se os evangélicos não fossem muito, mas muito mais politicamente atuantes — ainda que isso signifique usar a política em favor de suas respectivas seitas e contabilidades — do que, por exemplo, os católicos.

E assim, com candidatos não apenas adequando seu discurso ao gosto pentecostal, mas também redigindo propostas de legislatura e programas de governo para atender suas demandas — a campanha de Haddad se apressou a falar na regularização dos prédios dos templos de São Paulo –, a democracia brasileira se vê hoje às voltas com eleições um tanto teocráticas, em grande parte balizadas por um credo multifacetado que já representa um segmento de 22% da população brasileira, e subindo.

Banner de pastor-candidato no altar


Como disse recentemente o vereador Carlos Apolinário (DEM), membro da bancada evangélica da Câmara de São Paulo, "o dia em que evangélico votar só em evangélico vamos fazer metade da Câmara e colocar um presidente no 2º turno das eleições".

Se o Irã é um Estado islâmico e Israel é um Estado judeu, talvez o Brasil já esteja trilhando o caminho para se tornar uma República pentecostal, com direito a, quem sabe, sentenças de expiação vociferadas por eloquentes pastores suando de calor e raiva em seus distintos ternos e gravatas, com seus múltiplos microfones e diante do púlpito, a quem ousar discorrer sobre a natureza duvidosa do seu evangelho altamente monetizado e partidarizado.

Só a cidade de São Paulo tem 15 líderes religiosos evangélicos concorrendo à Câmara Municipal. Um deles, o pastor Everson Marcos, candidato pelo PSDB, botou tudo na ponta do lápis: ele pretende visitar 400 igrejas até o fim da campanha visando arrebanhar 160 votos em cada uma delas (ainda que a legislação proíba a campanha eleitoral em templos), o que lhe renderia algo em torno de 64 mil votos, o suficiente para que ele seja eleito.

E que dizer da notícia que chega da cidade de Itapetinga, no Piauí? Lá, um pastor-candidato chamado Valcilênio, do PT, mandou colocar um banner com o seu número eleitoral no altar da igreja de onde guia o seu rebanho — guia até as urnas.

Carlo leitor,

Você acha que, para um Estado laico, as eleições no Brasil estão demasiadamente, digamos, evangelizadas?

Você acha que a questão do "voto dos evangélicos", com pastores candidatos ou feitos de cabos eleitorais, é uma versão benzida, por assim dizer, do voto de cabresto?

Corremos o risco de nos transformarmos em algo parecido com uma ‘República pentecostal’?


29 de setembro de 2012
Hugo Souza

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