Transcorridos em outubro, sem maiores comemorações, os dezesseis anos da promulgação da atual Constituição, o que mais se vê são lamentações e críticas. Sob a omissão explícita dos que foram constituintes e ainda hoje se encontram na ativa da vida política, tanto quanto dos que mergulharam no ostracismo, não se ouviu uma só comemoração pelo que a nova carta representou em matéria de afirmação dos direitos individuais e sociais. Virou moda compará-la à Geni dos versos do Chico Buarque, depois de haver sido “a Constituição-cidadã, do arrabalde, do mocambo e da favela” à qual se referiu com justo e redobrado orgulho o seu artífice maior, o dr. Ulysses Guimarães.
Ulysses e a Constituição que seria deturpada
É
pena que os mortos não falem, porque mais do que calar as críticas oportunistas
de hoje, sua voz serviria para lembrar um dos momentos mais expressivos da
reconstrução da democracia brasileira. É curta a memória dos sabujos do
neoliberalismo, enfileirados todos na tentativa de continuar defendendo o
indefensável, no caso, a permanência desse modelo cruel que demoliu boa parte
das conquistas da Constituição de 1988. O pretexto foi a ruína das estruturas
de um muro de palha.
O
ilusório mundo moderno globalizado imaginou haver promovido o fim da História e
levou esse bloco de irresponsáveis a culpar a Constituição como forma de
conquistar passaportes para a conquista de migalhas caídas da mesa do banquete
dos poderosos. Ledo engano. De nada adiantou reformar e desfigurar nossa lei
fundamental através de emendas que alienaram a soberania nacional.
O
resultado aí está: apesar dos nítidos avanços verificados no governo Lula,
ainda se contam aos milhões os indigentes que sobrevivem com a metade do
salário mínimo por mês; também alguns milhões de desempregados; quantos
cidadãos que acordam sem saber se vão almoçar? Empresas nacionais condenadas ao
fracasso por precisarem livre-competir com multinacionais privilegiadas pelas
reformas adotadas depois de 1988; prevalência da atividade especulativa e
predatória sobre a atividade produtiva; privatizações do patrimônio público
erigido às custas de muito sacrifício e, por fim, inviabilidade total do modelo
responsável por haver culpado a Constituição como causa de todos os nossos
males.
Esta
seria a mais perfeita Constituição que o Brasil já possuiu, tivesse sido
cumprida e não desfigurada pela sanha dos neoliberais que desde a cerimônia da
promulgação empenharam-se em desmoralizá-la e transfigurá-la, esquecidos de que
emergiu da vontade nacional expressa por seus legítimos representantes.
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ATÉ A CABOTAGEM…
A
consequência? Princípios fundamentais revogados, como o dos monopólios do
petróleo, do gás canalizado, da propriedade estatal do subsolo e até da
navegação de cabotagem; direitos sociais suprimidos em cascata, em nome da livre
negociação entre patrões e empregados, ou seja, entre a guilhotina e o pescoço;
serviços públicos de custo multiplicado em favor de oligarquias financeiras
alienígenas; aumento desmesurado da violência por falta de opções dadas aos
desgarrados do pequeno clube dos privilegiados.
Encontra-se
exangue, moribundo e apenas insepulto o neoliberalismo que se opôs à
Constituição e conseguiu golpeá-la mortalmente. São responsáveis pela nossa
débacle as elites políticas e econômicas que, por engodo e mistificação,
ascenderam ao poder em 1995, usurpando-o quatro anos depois com a vergonhosa
emenda da reeleição.
Por
isso não comemoraram o 5 de outubro deste ano, mas, ao contrário, continuam
apontando a nossa lei fundamental como causa dos efeitos criados pelo seu
egoísmo suicida. Valesse uma exortação, ou um sonho, e este seria a
possibilidade de voltarmos atrás o relógio do tempo, retornando o Brasil à
letra integral de sua nova Constituição.
Claro
que nada é perfeito, o mundo gira e adaptações sempre serão imprescindíveis,
mas jamais as que se perpetraram malandramente para destruir o que de mais
profundo a Constituição representava: um caminho novo, seguro e determinado no
rumo do aprimoramento social, econômico e político.
Até
porque, falta regulamentar princípios apenas enunciados, como aquele que
oportunamente, nestes dias, demostra a falácia dos neoliberais. O artigo 220
determina ao Congresso estabelecer os meios legais para a defesa do cidadão e
da família diante dos excessos da programação do rádio e da televisão. Censura,
nunca mais, seria renegar tudo o que a Constituição um dia pretendeu consagrar.
Mas multas pesadíssimas sobre os que incorressem na prática de baixarias
apresentadas nas telinhas, por que não? Debite-se aos neoliberais mais essa
omissão, mancomunados que estão com certos e minoritários barões da mídia
interessados na preservação, pela ordem, dos respectivos lucros.
24 de novembro de 2012
Carlos Chagas
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