Revista Liberdade e Cidadania
Julho/Setembro 2011
José Carlos Aleluia *
Armínio Fraga Neto (ex-presidente do Banco Central) e Pedro Cavalcanti Ferreira (da Fundação Getúlio Vargas) divulgaram, na primeira semana de abril, artigo intitulado “O Brasil na encruzilhada”, no qual caracterizam a atuação dos governos petistas (no poder desde 2003) como uma tentativa de ressuscitar o modelo adotado pelos governos militares na década de setenta, popularizado por seus efeitos como “milagre econômico”.
O modelo dos militares repousava na atribuição ao Estado, como diz “de papel central na economia, tanto como produtor direto quanto como indutor de investimentos privados via coordenação e incentivos fiscais e tributários.”
É bom lembrar que a Constituição de 88 o formalizou, em que pese haja conduzido o país à hiperinflação e ao que se convencionou denominar de década perdida. Do acerto de contas que a população se dispôs a impor, como resultado das eleições de 1989 e 1994, advieram o começo da abertura econômica (governo Collor) e o feliz coroamento do Plano Real, que pôs fim ao ciclo inflacionário. A par disto, no primeiro governo FHC (iniciado em 1995) procedeu-se à privatização da telefonia, mineração e indústria siderúrgica. Entretanto esse ânimo reformista feneceria ainda nesse primeiro mandato, desaparecendo de todo no segundo.
Armínio Fraga Neto e Pedro Cavalcanti Ferreira resumem a forma pela qual os governos petistas atuaram no sentido de restaurar o predomínio estatal na economia. Vamos passar em revista, sumariamente, tais indicações a fim de evidenciar a sua pertinência.
1. Mantida e ampliada a presença do Estado na infra-estrutura econômica
Sob os governos militares, o Estado havia conquistado predomínio absoluto no setor de infra-estrutura econômica. A tendência, emergente na década de noventa era certamente a de reverter esse quadro. Temos em vista a extinção da TELEBRÁS e a correspondente privatização das empresas estaduais de telefonia, bem como a privatização de grande parte das empresas distribuidoras de energia nos estados. Como foi referido, arrefeceu de todo. Embora a privatização da telefonia tenha se constituído num sucesso retumbante, o governo Lula ressuscitou a TELEBRÁS, atribuindo-lhe funções na esfera da INTERNET, decisão que, de tão estapafúrdia tem demorado a sair do papel.
No âmbito dos transportes, os portos continuaram sob controle acionário do Estado. São em número de 37 os portos públicos, entre marítimos e fluviais, gestão que se divide entre a União (19) e estados e municípios (18). Muitos desses ancoradouros formam autênticos complexos, em cujo seio funcionam terminais privados, na maioria dos casos limitados à movimentação de carga originária de determinada empresa. O conjunto acha-se subordinado à Secretaria Especial de Portos da Presidência da República. As notícias de que dispõe indicam que empresas brasileiras que atuam no comércio exterior não estão satisfeitas com a qualidade de tais serviços.
No setor elétrico, sobreviveu a ELETROBRÁS, que controla grande parte dos sistemas de geração e transmissão, por intermédio de subsidiárias. Em nome do governo federal, detém metade do capital de Itaipu Binacional. No governo petista, a criação de novas grandes hidrelétricas ocorre sob a hegemonia do Estado, a exemplo daquelas que estão sendo construídas na Amazônia (Santo Antonio e Jirau, no Rio Madeira; e Belo Monte, no rio Xingu). Apurações consistentes indicam que o custo da energia elétrica no Brasil, de tão superior à de outros países, tem levado investidores a emigrar.
Em matéria de transportes terrestres, as ferrovias foram privatizadas mas detêm parcela não muito expressiva da movimentação de cargas. Estima-se que mais de 60% dessa movimentação --como de passageiros-- esteja a cargo do sistema rodoviário. Segundo a Confederação Nacional dos Transportes (CNT), a malha rodoviária que responde pela parcela fundamental da movimentação que se efetiva nesse sistema corresponde a 87 mil km, basicamente integrada por rodovias federais. A malha rodoviária sob concessão alcança 15 mil km (17% do total). A partir de 2008, esse processo foi paralisado pela União não obstante o fato de que as pesquisas anuais da CNT indicam que mais de 70% da malha em mãos da União apresenta problemas.
2. Mudança do marco regulatório do petróleo
Como um dos traços evidenciadores do empenho de assegurar ao Estado papel central na economia, os autores (como indicado, Armínio Fraga Neto e Pedro Cavalcanti Ferreira) do texto que estamos seguindo apontam “as mudanças no marco regulatório do petróleo, com a Petrobrás assumindo um papel ainda maior na prospecção e investimentos do setor.”
Os especialistas no tema têm insistido em que a mudança ocorrida com a transferência do monopólio do petróleo para a União, ao invés de retê-lo em mãos da Petrobrás, traduziu-se nos grandes avanços verificados na prospecção. No ano em que se introduziu essa mudança (1997), o Brasil produzia menos de 60% do petróleo consumido no país. Em abril de 2011 alcançou a marca de dois milhões de barris/dia, praticamente assegurando a auto-suficiência. Passou a vigorar regime de concessão, isto é, outras empresas, além da Petrobrás, habilitaram-se a participar dos leilões das novas áreas.
A referida mudança no marco regulatório diz respeito à nova legislação, aprovada em 2010, relativa à exploração das jazidas do pré-sal. Aboliu-se o regime de concessão, introduzindo-se o de partilha. Segundo este, a Petrobrás será a operadora única de todos os blocos ainda não leiloados nessa área e terá participação mínima de 30% dos consórcios que receberam os direitos de exploração desses blocos.
Sob o governo petista, a Petrobrás patrocinou a concentração no setor petroquímico, processo que levou à criação de dois grandes grupos --Braskem e Unipar--, dos quais a Petrobrás participa com cerca de 40% mas, ao que tudo indica, dita-lhes a política a ser seguida. Certamente é parte do outro elemento a que se referem os autores citados, a ser considerado no tópico seguinte.
3. Articulação entre interesses públicos e privados, entendidos como estratégicos
A linha seguida pelo governo para restaurar o quadro a que havíamos chegado na década de setenta, apontada no artigo “O Brasil na encruzilhada”, compreende, como dizem seus autores, “articulação entre interesses públicos e privados, entendidos como estratégicos”.
Trocando em miúdos: o governo escolheu alguns grupos a fim de agigantá-los mediante a concessão de empréstimos a juros subsidiados. Em sua coluna de O Globo (17]04/2011), Miriam Leitão chamou-os de “os campeões”. Começa assim a aludida crônica: “As notícias conversam. O JBS-Friboi foi escolhido pelo BNDES para ser o campeão brasileiro na produção de carne. Recebeu R$ 7 bilhões nos últimos três anos. Agora foi acusado pelo Ministério Público do Acre de comprar carne de fazenda com trabalho escravo. A Bertin recebeu em três anos R$ 3,3 bilhões. Saiu da carne, entrou em energia e não consegue cumprir nenhum contrato”.
Explica que a alusão à conversa entre as notícias diz respeito ao fato de que, divulgadas no noticiário diário, não parece que estejam relacionadas. Mas, se as juntamos, “contam que a estratégia do BNDES de escolher campeões para liderar setores no Brasil está fracassando, da mesma forma que fracassou nos anos 1970.” Depois de detalhar as notícias que mereceram a observação inicial, conclui: “O BNDES reeditou a política industrial que deu errado nos anos 1970 e ela deu errado de novo. O governo vai admitir que errou ou continuar repetindo a mesma insensatez”. Não nos parece que, de moto próprio se disponha a fazê-lo.
4. Repetir o passado, a pior das opções
Transcrevo mais uma observação contida no artigo citado: “Em que pese o maior foco atual no social, não custa lembrar que esta opção foi não só excludente socialmente como gerou uma série de distorções que provocaram a estagnação posterior. Podemos ter alguns anos de vacas gordas, mas estamos fadados a parar longe de completar a convergência para os melhores padrões globais.”
A comparação entre os governos petistas e o desenvolvimentismo sob a égide do Estado é de todo pertinente e permite evidenciar o acerto da Oposição em insistir em que devemos buscar algo de sólido ao invés de continuar nos enganando quanto à suposição de que “vivemos no melhor dos mundos possíveis”. É preciso reorientar o investimento público para aquelas áreas em que a iniciativa privada não se sente atraída. A mudança do marco regulatório do petróleo é de fato emblemático na medida em que aponta para o encaminhamento dos gastos governamentais na direção errada, inventando uma competição desnecessária. A grande carência encontra-se na ausência de investimento público para minorar os efeitos das calamidades naturais que assolam as nossas cidades. Corremos o risco de deixar escapar pelo ralo a possibilidade prática, evidenciada no Rio de Janeiro, de que é factível superar a favelização de nossas grandes cidades, começando a enfrentar o que tem servido de refúgio para o narcotráfico. Atender às carências em matéria de atendimento médico-hospitalar cortando gastos desnecessários ao invés da insistência em aumentar impostos.
Enfim, valhamo-nos do mote, que nos proporciona o artigo citado, para reiterar o verdadeiro sentido da nossa mensagem.
José Carlos Aleluia, natural do estado da Bahia, formou-se em engenharia elétrica e pertence ao Corpo Docente da tradicional Escola Politécnica, da Universidade Federal da Bahia, tendo ocupado importantes cargos nesse importante setor econômico, como a Presidência da CHESF e o cargo de diretor da COELBA. Elegeu-se deputado federal no pleito de 1991, obtendo, nas urnas, cinco mandatos consecutivos, o último na passada Legislatura. Atualmente preside a Fundação Liberdade e Cidadania e pertence à Comissão Executiva Nacional do Democratas, como vice-presidente.
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