Quem não se comunica, se trumbica, já dizia o Velho Guerreiro. O PT de Lula leva a recomendação de Chacrinha a sério. Não é de admirar que esteja no poder há 10 anos, sustentado por uma enorme popularidade alimentada a verba farta e verbo solto. Ao contrário do que fazem os oposicionistas, o lulopetismo tem sempre, no momento certo, o discurso certo na ponta da língua certa.
Quando se trata, por exemplo, de denunciar a perversidade das elites, profligar os interesses escusos da mídia conservadora e cerrar o punho em ataque à sanha imperialista, é convocado o iracundo Rui Falcão, o amigo de José Dirceu alçado à presidência nacional do partido. Mas quando convém a fala mansa, melíflua, capaz de proferir os maiores disparates sem o mais leve rubor nas faces, entra em cena o ex-seminarista Gilberto Carvalho, ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República.
Tem muita gente boa achando que o PT já não é mais o mesmo, que chafurda naquela política rasteira e infame que no passado condenou. Hora, então, de Gilberto explicar o que está acontecendo, restabelecer a verdade, mostrar o caminho do bem: "Não há outra saída se nós, de fato, não pensarmos numa profunda reforma do Estado e numa reforma política que ataque e enfrente as questões táticas e estratégicas. Tática é esse maldito financiamento privado de campanha, essa legislação eleitoral que é, a meu juízo, a mãe da corrupção. É onde tudo começa".
O sentido pedagógico da fala do ministro se evidencia, pois ele pregava aos participantes de um evento no Palácio do Planalto, sobre "Participação social e democratização do Estado: o papel político dos movimentos sociais". Movimentos sociais, como se sabe, são uma das especialidades de Gilberto Carvalho. Por isso ele não ignora que nesses momentos é preciso fazer um exercício de humildade, bater no peito em reconhecimento dos próprios erros: "O Estado continua, na prática, vertical, autoritário, paternalista, cooptador. Essa é a natureza do Estado brasileiro. Para nós, que estamos temporariamente do lado de cá do balcão, esse é um drama que vivemos a cada dia".
Ou seja, sendo o Estado um perverso "cooptador", nada de ruim que está acontecendo por aí é culpa do PT. O grande culpado é o "sistema", o "maldito financiamento privado de campanha". Considerando que o PT é o partido que há muitos anos recebe o maior volume da verba destinada pelas empresas privadas às campanhas eleitorais, Gilberto Carvalho certamente sabe o que está dizendo.
Esse tal de "sistema" é mesmo danado! Pois Lula e o PT estão há 10 anos lutando denodadamente contra ele, mas o ministro Gilberto Carvalho é obrigado, a esta altura do campeonato, a confessar impotência: "Cada dia, dentro do governo, você pensa que pode dizer 'vai acontecer', mas não é assim, não acontece. O jogo de tensões na sociedade é muito forte e os pesos e contrapesos se colocam de forma a criar obstáculos à nossa ação". Que pena! Menos mal que o lulopetismo não desiste de, pelo menos, pensar, garante o ministro, "numa profunda reforma do Estado e numa reforma política". Mas apenas pensar, porque de reformas modernizantes, de fato, o governo não quer saber.
O irônico dessa história é que o amigo de Lula tem toda razão: o financiamento de campanha por empresas privadas é, realmente, maldito, inapelavelmente corruptor. Mas a solução não está, como preconizam os petistas, em transferir para o Estado essa responsabilidade. Seria trocar um foco de corrupção por outro. Agrava o quadro o sistema eleitoral, que permite a proliferação de legendas de aluguel que tornam impraticável a formação de uma base de apoio parlamentar ao governo reunida em torno de princípios programáticos. O que interessa é dividir o poder e o dinheiro.
Nada disso mudará com discursos espertos. Para transformar o Brasil em país não apenas economicamente desenvolvido, mas cultural e politicamente civilizado, é preciso mais que vontade política - é preciso reformar o sistema partidário e eleitoral. O PT já teve 10 anos para demonstrar que disso não quer saber.
24 de novembro de 2012
Editorial do Estadão
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