"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



terça-feira, 27 de novembro de 2012

"RESULTADO DO APARELHAMENTO DAS AGÊNCIAS POR LULA E DILMA"

 
Logo ao assumir no primeiro mandato, em 2003, o presidente escolheu as agências reguladoras como alvo. Talvez pelo fato de elas terem relação direta com o programa tucano de privatização — tema explorado pelo PT —, não importou que fossem um instrumento inspirado nas boas práticas internacionais de modernização da administração pública.

Nada mais equivocado do que considerar que as agências “terceirizavam” o poder do Executivo. Ora, elas foram criadas como organismos independentes aos governos para, sem qualquer tipo de interferência, fiscalizar a prestação de serviços de concessionários de áreas em muitas das quais houve transferência de empresas públicas para o setor privado e concessão de exploração de serviços a empresas particulares.

Mas o governo Lula acabou, na prática, com a independência das agências, tratando-as como autarquias menores de ministérios, à disposição do jogo político fisiológico de troca de cargos e verbas por apoio no Congresso e em eleições.

O mais novo escândalo patrocinado pelo grupo hegemônico no PT, deflagrado em torno da chefe de gabinete do escritório da Presidência em São Paulo, Rosemary Nóvoa de Noronha, é um caso de corrupção decorrente, entre outras causas, da degradação das agências reguladoras.

Se elas não houvessem sido atraídas para a órbita do Palácio, continuassem a ser de fato independentes, dirigidas de forma profissional, Rosemary, ou Rose, desembarcada em Brasília na comitiva do primeiro governo Lula, de quem foi secretária pessoal, não teria montado um esquema de tráfico remunerado de influência a partir de agências reguladoras (ANA, de águas, e Anac, agência de aviação civil).

Um dos sinais do poder do esquema foi a pressão para a aprovação pelo Senado da indicação de Paulo Rodrigues Vieira, apadrinhado de Rosemary, para a ANA. Rejeitado uma vez, o Planalto reapresentou o nome e conseguiu aprová-lo.

Na sexta-feira, a Operação Porto Seguro, da Polícia Federal, prendeu Paulo e o irmão, Rubens Carlos Vieira, encaixado na diretoria de infraestrutura aeroportuária da Anac — uma das mais aparelhadas das agências reguladoras.

A demonstração do alcance do esquema é o envolvimento do segundo no organograma da Advocacia-Geral da União (AGU), José Weber Holanda.

Dilma agiu com rapidez e demitiu todos, ainda no sábado, como necessário. Mas é preciso se conhecer o mapeamento desta teia de negociação de pareceres e outros “negócios”.

Por ironia, no mensalão, ainda em julgamento, e neste novo escândalo repetem-se dois personagens: José Dirceu, “chefe da quadrilha” do mensalão e de quem Rosemary foi secretária no PT antes de ir trabalhar ao lado de Lula; e o indefectível mensaleiro Waldemar Costa Neto (PR-SP), pilhado em negociações com o esquema.

E mais uma vez surge um descuidado Lula, “traído” no mensalão e agora “apunhalado pelas costas” por Rose e protegidos.

27 de novembro de 2012
Editorial de O Globo

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