"A verdade será sempre um escândalo". (In Adriano, M. Yourcenar)

"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o soberno estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade."
Alexis de Tocqueville (1805-1859)



sábado, 8 de dezembro de 2012

ANL QUER IMPEDIR O AMANHECER


Em Porto Alegre, conversava com um velho amigo, desses conservadores, que se refugiou no passado e não aceita – nem entende – os tempos em que vive. Perguntou-me se eu não publicava mais livros, não vira nenhuma publicação minha na última Feira do Livro.

Ora, publiquei uns quatro livros – ou cinco ou seis, já nem lembro – neste ano que ora finda. Mas meus livros não se encontram em feiras. Muito complicado ter de ir a uma feira para comprá-los. Meus livros estão todos ao alcance de um clique de mouse – e a custo zero – para quem queira lê-los. Não são livros que possam ser encontrados em livrarias. Dispensam papel, editoração, impressão, distribuição e livreiros. São e-books.

Ele reagiu com certa incredulidade e mesmo desagrado. “É, qualquer dia o homem chega em Saturno”. Não, meu caro. Em Saturno o homem jamais poderá chegar. Gravidade não é lei que se revogue. Mas o livro digital está aí e chegou para ficar. O leitor contemporâneo pode até preferir o livro em papel, eu mesmo o prefiro. Mas diante de um custo de produção de dezenas de reais e de um custo próximo a zero, a opção entre um e outro, mais dia menos dia, deixará de ser opção. Livro em papel será luxo para quem pode – ou prefere – pagar caro.

Se as editoras estão aí para difundir o pensamento, as maiores acabam por censurá-lo. Livro bom é o que vende bem – costumam dizer os grandes editores. E inundam o mercado com best-sellers medíocres. Boa parte das livrarias, hoje, são colossais depósitos de lixo. O livro bom não encontra nichos. Mais ainda: nestes dias em que impera o politicamente correto, não é fácil encontrar editor que ouse editar obra que fira o pensamento vigente. Com o livro digital, todo autor está livre desta censura. Edita o próprio livro e manda o editor às favas.

Sem falar que o livro digital está ao alcance de qualquer capricho meu, onde quer que eu more, desde que haja rede elétrica e telefonia na região. Digamos que eu viva em Dom Pedrito e tive o súbito desejo de ler, esta noite, o Crátilo, de Platão. Em livraria é que não vou encontrar, já que nem mais livrarias existem em Dom Pedrito. E se existissem, teriam desde Paulo Coelho a Osho, desde J. K. Rowling a Erika Leonard James, mas jamais Platão. Graças ao livro digital, você baixa na hora toda a obra de Platão, e sem pagar um vintém. Pode alguém ser contra este conforto?

Meu amigo – que não quer nem ouvir falar de computadores ou Internet – ignorou meus arrazoados e preferiu ficar digredindo sobre a chegada do homem a Saturno. Quando um homem se encerra em si mesmo e não quer ver o mundo que o cerca, por ele nada podemos fazer.

Toda inovação gera reação. Não temos notícias dos editores de papiros e pergaminhos contra o surgimento do livro. Mas em 1455, quando Johannes Gutenberg inventou a imprensa com tipos móveis reutilizáveis, os copistas já chiaram, pois a impressora punha em causa a sua ocupação. Com a impressora, o livro popularizou-se definitivamente, tornando-se mais acessível pela redução enorme dos custos da produção em série. E os copistas talvez tenham se conformado ao saber que poderiam reciclar-se como linotipistas.

Reação semelhante a dos copistas na Idade Média teve a Associação Nacional de Livrarias (ANL) que, ante o avanço dos e-books no mercado brasileiro, divulgou ontem carta aberta propondo medidas que protejam a rentabilidade dos 3,4 mil pontos de venda de livros espalhados pelo país.

O documento apresenta quatro propostas, segundo o Globo: o estabelecimento de um intervalo de 120 dias entre o lançamento dos livros impressos e a liberação nas plataformas digitais; o mesmo desconto de revenda do livro digital para todas as livrarias; a implantação de um teto de 30% na diferença de preços entre livros físicos e digitais; e a limitação em 5% no desconto dos e-books.

— A indústria cinematográfica é assim. Primeiro sai no cinema, depois começa a ser vendido. No nosso mercado estão fazendo o contrário. Já existem editoras fazendo pré-lançamento no digital — reclama o vice-presidente da ANL, Augusto Kater. Em vez de adaptar-se aos novos tempos, de reciclar-se a tecnologias mais ágeis e mais baratas, a guilda pede proteção estatal. Que todas as facilidades sejam dadas ao livro em papel. Que o livro digital, ágil e barato, seja afastado do mercado.

Mais que proteção, diz o Globo, a instituição pede respeito pelo trabalho que os livreiros desempenharam ao longo dos anos para o mercado editorial e difusão da cultura. Segundo Kater, não existe o temor de o mercado desaparecer, como aconteceu com as lojas de CDs e filme fotográfico, mas a entrada de grandes players internacionais em um mercado não regulamentado gera insegurança no investidor.

— Hoje, se uma pessoa tem dinheiro para abrir um negócio, não vai abrir uma livraria. Não existe a certeza que os fornecedores serão fiéis. Em média, o livreiro trabalha com uma margem de lucro de 40% sobre o preço de capa. Muitas vezes, os grandes varejistas negociam descontos maiores com as editoras e ainda trabalham com margens menores. É desigual — diz Kater.

E daí, meu caro? Claro que é desigual. Não pretendam os papiros e pergaminhos disputar mercado com o livro. Vamos então proibir o livro, só porque o mercado de papiros e pergaminhos tende a desaparecer? Livraria é o de menos. Se desaparecerem, será uma pena. Sempre foram um ambiente de convívio agradável, lugares de encontro de quem pensa e busca conhecimento. Mas se desaparecerem,será porque se tornaram inaptas aos tempos modernos. O livro, que é o que importa, continuará existindo. Apenas em outra plataforma. De qualquer forma, os bares são eternos. Não existe bebida em bytes. Os bares, que sempre foram locais de troca e difusão de idéias, suprirão confortavelmente a ausência de livrarias.

Já o professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do laboratório de Economia do Livro, Fábio Sa Earp, se mostra mais realista. Para o pesquisador, o futuro das livrarias é duvidoso. Em sua opinião, elas vão conviver com o livro digital por um tempo, mas na medida que os livros forem barateando, os livreiros terão que se especializar ou fechar as portas.

— Hoje, elas não têm muito o que temer, mas só enquanto o produto for caro. No longo prazo, as livrarias vão sofrer. Elas devem seguir o modelo da Travessa, da Saraiva, que unem a venda de livros com cafés, venda de CDs e DVDs. Ou devem se especializar em um tema, servir turmas escolares. Terão que vender algo mais que um livro — avalia.

E por que não? Se livros em papel deixam de vender, que vendam tablets, pendrives ou melancias. Mas que os livreiros não pretendam impor a quem gosta de ler seu hábitos obsoletos – e caros, este é cerne da questão – a quem gosta de ler.

A ANL quer impedir o amanhecer e para isso pede socorro ao papai Estado. "Paiê, esses vândalos informatizados querem acabar com nossa raça". Os filhinhos do papai não vão conseguir. Até hoje não tenho notícias de que alguém tenha impedido o amanhecer.


08 de dezembro de 2012
janer cristaldo

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