Debate sobre mandatos de mensaleiros mostra que quase tudo muda no Brasil, exceto cinismo
Num Brasil em aparente mutação, em que o mensaleiro de ontem é um presidiário de amanhã, certas coisas permanecem fiéis a alguns princípios. Por exemplo: a desfaçatez do Congresso. Há anos o cinismo do Legislativo causa incredulidade e desânimo porque é sempre igual.
Nesta segunda-feira, o STF retoma o debate sobre a situação dos condenados do mensalão que são deputados. Em artigo veiculado na Folha, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-SP), revelou-se preocupado. Acha que o Supremo pode mergulhar o país numa “grave crise institucional”.
O fim do mundo viria se o STF decidisse cassar os mandatos dos deputados sentenciados. Nessa hipótese, escreveu Maia, “podemos estar diante de um impasse sem precedentes na história recente da política nacional”. Por quê? Caberia à Câmara decidir sobre os mandatos, não à Suprema Corte.
O Código Penal prevê a perda de mandato para os casos em que o dono da cadeira é condenado à cadeia. A Constituição também anota que o mandato irá para o beleléu se o eleito for sentenciado em processo criminal “transitado em julgado” (sem possibilidade de recurso). Porém…
Num desses parágrafos providenciais, os constituintes de 1988 escreveram que a perda de mandato de deputados criminosos “será decidida pela Câmara.” Tudo conforme o velho figurino: processo lento e votação secreta. No STF, o relator Joaquim Barbosa já votou pela cassação automática. O revisor Ricardo Lewandowski endossou a tese de Marco Maia (assista abaixo).
Como disse o senador Pedro Taques (PDT-MT) referindo-se a outro caso –o Rosegate—, o Direito é como o Kama Sutra, tem várias posições jurídicas. Prevalecendo a posição de Maia e Lewandowski, os condenados João Paulo Cunha (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) virariam vilões de desenho animado. O mesmo ocorreria com José Genoino (PT-SP), na bica de assumir uma suplência na Câmara.
Nos desenhos, quando são empurrados para o abismo, os personagens malvados caminham sobre o vazio até certo ponto. Só caem quando se dão conta de que estão pisando o nada. O enredo ‘Maiandowski’ é mais surrealista.
Nele, os condenados do mensalão flutuarim sobre o precipício por tempo indeterminado –talvez até o fim do mandato. Pior: os encrencados do STF poderiam ser “absolvidos” no julgamento político do plenário da Câmara.
Marco Maia conta que o trecho da Constituição que atribuiu ao Congresso a palavra final sobre os mandatos dos congressistas nasceu de emenda defendida em plenário pelo então deputado Nelson Jobim. Aprovaram-na 407 constituintes. Entre eles FHC, Lula e Aécio Neves. Prova da “pluralidade do debate empreendido naquele momento [março de 1988]”.
O presidente da Câmara pega em lanças pelos criminosos: “[…] Qualquer subjugação do Legislativo tem o mesmo significado de um atentado contra a democracia, e isso é inaceitável. Espera-se que a decisão da Corte Máxima, à luz da Constituição, contribua para o fortalecimento da nossa jovem e emergente democracia.”
Nesse roteiro de desenho animado, não podem faltar as aparições de hipotéticos extraterrenos e suas reações às esquisitices da jovem e emergente democracia brasileira. Imagine-se a surpresa de um marciano ao chegar a Brasília e dar de cara com João Paulo, Valdemar, Genoino e Henry caminhando sobre o abismo.
O homenzinho verde decerto gargalharia por todas as suas 23 bocas ao ser informado de que a levitação de criminosos é uma fórmula desenvolvida pela civilização brasileira para dissolver em cinismo os “impasses sem precedentes” e as “graves crises institucionais.” A criatura voltaria para Marte folheando o Kama Sutra.
10 de dezembro de 2012
Josias de Souza- UOL
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