O advogado e ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos em entrevista ao programa 'Poder e Política', promovido pelo UOL e pela Folha, em agosto |
Em artigo, advogado de condenado critica 'slogan do combate à impunidade a qualquer custo'. Ex-ministro ataca 'vaga repressiva' e diz que advogados devem agir para evitar uma degeneração autoritária
Advogado de um dos condenados no julgamento do mensalão, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos atacou em um artigo a possibilidade de uma "degeneração autoritária de nossas práticas penais" e afirmou que a "tendência repressiva passou dos limites em 2012".
No texto, publicado anteontem no site "Consultor Jurídico", com reflexões sobre a atividade dos advogados criminalistas, Thomaz Bastos faz um "balanço crítico" do ano. Não cita o mensalão diretamente, mas faz uma série de referências à ação.
Entre elas, critica o "slogan do combate à impunidade a qualquer custo", que estaria sendo "exaltado pelo clamor de uma opinião popular que não conhece nuances".
O julgamento, concluído neste mês, levou à condenação de 25 réus pelo STF (Supremo Tribunal Federal). A corte considerou que o esquema, comandado pelo PT, corrompeu congressistas em troca de apoio no primeiro mandato do ex-presidente Lula.
Na ação, Thomaz Bastos (que foi ministro de Lula) defendeu o ex-vice-presidente do Banco Rural José Roberto Salgado, condenado a 16 anos e 8 meses de prisão mais o pagamento de R$ 926 mil em multas por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, gestão fraudulenta e evasão de divisas.
Salgado foi acusado pelos empréstimos feitos pelo banco ao PT e às agências de Marcos Valério, dinheiro que teria financiado o esquema.
INDÍCIOS E PROVAS
Para Thomaz Bastos, há um "sentimento de desprezo pelos direitos e garantias fundamentais" que age "à sombra da legítima expectativa republicana de responsabilização".
"Não é de hoje que o direito de defesa vem sendo arrastado pela vaga repressiva que embala a sociedade brasileira", escreve.
Ele critica também a "tendência a tornar relativo o valor da prova necessária à condenação criminal" e sustenta que, "quando juízes se deixam influenciar pela 'presunção de culpabilidade', são tentados a aceitar apenas 'indícios', no lugar de prova concreta". "Como se coubesse à defesa provar a inocência do réu!", afirma.
Ao longo do julgamento, as defesas se queixaram de que seus clientes foram condenados sem provas.
Thomaz Bastos escreve ainda que "a disciplina da persecução penal não pode ser colonizada por uma lógica estranha, simplesmente para facilitar condenações".
Durante o julgamento do mensalão, ministros citaram em seus votos a teoria do domínio do fato, segundo a qual o autor não é só quem executa o crime, mas quem tem o poder de decidir sua realização e planejamento.
"Quanto mais excepcionais os meios, menos legítimos os fins alcançados pela persecução inspirada pelo ideal jacobino da 'salvação nacional'", escreve.
'ODIOSA DISCRIMINAÇÃO'
Em um texto com referências ao pensador italiano Antonio Gramsci (1891-1937) e ao filósofo francês Michel Foucault (1926-1984), o ex-ministro chama os advogados a responder ao "espírito vigilante e punitivo exacerbado no ano que passou".
Reclama também da "confusão entre o advogado e seu cliente" e diz que sofreu uma "odiosa discriminação" ao defender um deles no início do ano. Entre abril e agosto, Thomaz Bastos foi o defensor do empresário Carlinhos Cachoeira, acusado de exploração ilegal de jogo (e condenado semanas atrás a 39 anos e 8 meses de prisão).
Procurado ontem pela Folha, Thomaz Bastos disse que não gostaria de comentar o conteúdo do texto.
26 de dezembro de 2012
Folha de São Paulo
Gabo Morales
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